Título: Países em crise na UE estão ficando mais competitivos
Autor: Coy , Peter
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2012, Especial, p. A18

Durante a Olimpíada, a peça publicitária era transmitida constantemente: um Cadillac ATS vermelho percorre em alta velocidade as curvas fechadas da cordilheira de Atlas, no Marrocos, enquanto um surpreso copiloto grita "Estamos indo o mais rápido possível sem ir parar no fundo do penhasco!"

Os freios a disco que tornam possível essa façanha são da Brembo, uma empresa da região da Lombardia, no norte da Itália. A Brembo não é o que se imagina quando se ouve pessoas soltando expressões sobre a Itália como "perdulária" e "caso perdido". É uma potência de elite em exportações. Computou uma receita de € 703 milhões (US$ 871 milhões) nos seis primeiros meses de 2012, 11% maior que a do mesmo período do ano passado. Na Alemanha, seu maior mercado, a Daimler concedeu à empresa o prêmio de fornecedor do ano em 2011. "O desempenho da nossa carteira de encomendas por atender nos permite encarar os próximos meses com confiança", disse o presidente do conselho de administração, Alberto Bombassei, em 31 de julho, ao anunciar a expansão da receita e dos lucros do primeiro semestre.

O que não está sendo levado em conta na crise financeira europeia é que alguns dos países assolados pelos maiores problemas melhoraram, sem alarde, sua competitividade no mercado internacional desde o início da crise, em 2008.

Eles reduziram as importações e aumentaram as exportações. O atual déficit da balança comercial da Espanha equivale a 25% do que era antes da crise. A Itália teve um superávit comercial de € 1 bilhão em maio, o mês mais recente para o qual se dispõe de dados. A Irlanda reduziu drasticamente seus custos com mão de obra. Até mesmo Portugal se tornou menos dependente do capital externo, observou no mês passado o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Segundo dado divulgado na sexta-feira, a zona do euro teve superávit comercial de € 14,9 bilhões em junho, o maior desde que essa estatística comum começou a ser computada, em 1999. No mesmo mês do ano passado, o saldo positivo havia sido de apenas € 200 milhões. A Alemanha respondeu pela maior parte do aumento do superávit comercial, mas a melhora foi generalizada.

A grande tragédia da União Europeia (UE) é que ela sempre está muito próxima de se pôr em ordem - mas talvez não próxima o suficiente. Os bancos internacionais estão perdendo confiança na capacidade de os países devedores conseguirem, com o próprio esforço, sair do endividamento. Eles estão exigindo rendimentos mais altos para neutralizar os efeitos da percepção de risco mais elevada. Se puxarem ainda mais para cima o custo de concessão de empréstimos, países que poderiam conseguir recuperar sua boa reputação perante a comunidade internacional serão empurrados para um ciclo caótico de inadimplência e desvalorização.

Para que países como Espanha e Itália conquistem a simpatia de investidores, eles têm de mostrar, de forma plausível, que conseguirão no longo prazo ganhar o suficiente com as exportações para custear todos os produtos que importam, deixando um saldo suficiente para cobrir os juros sobre os empréstimos pendentes. É básico assim. Portanto, ao final, não serão os diplomatas e banqueiros que decidirão o destino do euro e da União Europeia - serão empresas como a Brembo.

O entusiasmo que cercou a UE durante a primeira década deste milênio se baseou em alguns pontos fortes reais. Mesmo agora, com a alta do custo da tomada de empréstimos e com o encolhimento dos mercados internos, muitos dos principais países exportadores da UE exibem um desempenho admirável. Um consórcio espanhol conquistou recentemente um contrato para construir uma linha de trem de alta velocidade na Arábia Saudita, entre Medina e Meca.

O sucesso internacional do império espanhol das confecções Zara é tanto que Amancio Ortega, fundador de sua mantenedora, a Inditex, simplesmente desbancou Warren Buffett para o quarto lugar no Índice Bloomberg dos Bilionários. O estaleiro Fincantieri venceu uma concorrência para construir dois navios de cruzeiro superluxo para a Viking Ocean Cruises. A AgustaWestland, outra empresa italiana, vende helicópteros para a Argélia. A lista é grande.

Essa não é, obviamente, toda a história da região. O sul da UE padece com indústrias menos eficientes e um setor de serviços esclerosado, cujos altos custos comprometem os exportadores. Os funcionários de empresas exportadoras precisam ganhar altos salários porque têm de pagar muito caro por leite, esteticistas e advogados.

A união monetária foi instaurada para puxar toda a UE para um maior grau de eficiência, e com isso ter ter salões de beleza mais baratos, mas ela encerrava os germes de sua própria destruição. Os preços começaram a subir para níveis pouco competitivos nos países periféricos, como Grécia, Portugal e Espanha.

Desprovidos de seus próprios BCs, que poderiam elevar as taxas de juros para conter a inflação, esses países ficaram impotentes para enfrentá-la, diz Muir Macpherson, economista da Bloomberg Governement. Os países de alto custo perderam a competitividade e começaram a registrar déficits comerciais. Países superavitários, como Alemanha, Holanda e Finlândia, estavam dispostos a cobrir esses déficits, até o momento em que, de repente, deixaram de estar, desencadeando o início da crise do continente.

Sair da zona do euro é uma solução rápida e poderá, em última instância, ser a melhor para a Grécia, que tem problemas ainda mais profundos do que salários congelados. A desvalorização é uma terapia de choque que zera o déficit comercial ao submeter os produtos do país a drástica redução de preço e ao tornar os produtos importados inalcançavelmente caros. Mas ela causa miséria imediata, ao inviabilizar o atendimento até das necessidades básicas, ao desencadear episódios de inadimplência tanto do governo quanto das empresas privadas, e ao aniquilar o sistema bancário.

É por isso que, para a maioria das economias maiores e mais saudáveis da UE, a solução preferível é continuar na zona do euro e, ao mesmo tempo, diminuir o enorme fosso de competitividade que causou seus problemas. Isso exige "desvalorização interna", um processo opressivo que envolve reduzir os salários dos trabalhadores, tentando, ao mesmo tempo, aumentar a sua produtividade.

A desvalorização interna está começando a corrigir os desequilíbrios da UE, embora gradualmente, segundo relatório mensal do Banco Central Europeu (BCE). A Alemanha é a campeã de competitividade de longo prazo, tendo reduzido seus custos em 14% desde 1999, segundo o "indicador harmonizado de competitividade" do banco. Mas, nos últimos 12 meses, a maior melhora, de 7%, foi obtida pela Irlanda.

As organizações privadas também detectaram aumentos de competitividade na periferia da UE. Um estudo de 27 de julho da organização mundial de pesquisa com filiados corporativos Conference Board atribuiu à Irlanda algumas das maiores notas por reduzir seus custos unitários de mão de obra em mais de 6% do início de 2008 até o fim de 2011. A Hungria superou todos os países estudados, com uma queda do custo unitário da mão de obra de quase 12%, devido, em grande medida, a uma forte desvalorização de sua moeda. Outros países da zona do euro que ultrapassaram a Alemanha na redução desses custos desde 2008 foram Espanha, Portugal, Grécia e Itália.

A Alemanha, que reduziu impiedosamente os custos na primeira década do euro, fez um favor aos demais países da UE ao permitir que seus custos unitários de mão de obra aumentassem quase 9% desde o início de 2008, segundo análise dos economistas Bart van Ark e Bert Colijn, do Conference Board. Com o desemprego na Alemanha no nível recorde de baixa de duas décadas, os sindicatos pressionaram por aumentos salariais bem superiores à inflação.

Infelizmente para a coesão da UE, ambas as faces dessa solução - desvalorização no sul e valorização no norte - têm suas limitações. Nos países de menor competitividade, os custos estão caindo apenas porque os altos níveis de desemprego arrasaram o poder de barganha dos trabalhadores. Essa não é uma solução saudável. Além disso, se as empresas reduzirem demais os salários, os funcionários não conseguirão quitar seus contratos de financiamento imobiliário, empréstimos para compra de carros e outras dívidas. O "Wall Street Journal" publicou recentemente um artigo sobre o dilema do proprietário de uma fábrica de roupas íntimas da Grécia, que disse: "Se eu cortar o salário deles, eles não vão conseguir sobreviver".

E, enquanto a Grécia não pode deprimir muito mais os seus salários, a Alemanha resiste em deixar seu custo com mão de obra alçar voos mais altos por medo de perder terreno em favor de concorrentes ferozes de fora da zona do euro. Macpherson argumenta que, para a Alemanha, permitir que a inflação suba nos principais países da zona do euro para corrigir o desequilíbrio de competitividade é "a alternativa menos ruim". A premiê Angela Merkel e o presidente do Bundesbank, o BC alemão, Jens Weidmann, não parecem concordar com ele.

A lógica nos reconduz à Brembo e à sua estirpe de fortes companhias líderes - empresas que usaram a inovação e a disciplina para conquistar seu lugar no mundo sem subsídios ou proteção diplomática. A Brembo foi fundada como uma pequena oficina de usinagem em 1961. Começou a fazer freios a disco para automóveis para a Alfa Romeo e posteriormente se expandiu para a área de motos e carros de corrida da Fórmula 1. Agora ela opera em âmbito internacional a partir de uma sede vermelho-vivo no parque de ciência e tecnologia Kilometro Rosso, em Stezzano.

Para que a UE sobreviva, países inteiros têm de ficar mais rápidos, mais fortes e mais baratos - como a Brembo e a Zara. Eles estão começando. A questão é se isso poderá acontecer suficientemente rápido para impedir que a coisa, como disse o assombrado copiloto, role do penhasco.