Título: Eleito terá de enfrentar a reforma da Previdência
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2006, Opinião, p. A14

Com quase um mandato de atraso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prepara-se para, se reeleito, tentar a segunda rodada de reformas. O Palácio do Planalto imagina que possa formular uma agenda comum com governadores e oposição em torno das reformas previdenciária e tributária, da reformulação da Lei Kandir e da aprovação do Fundeb, como informou reportagem publicada pelo Valor (4 de outubro).

Por sua vez, a equipe que formula o programa econômico do candidato tucano, Geraldo Alckmin, concentra-se no que a peça publicitária do PSDB chama de "choque de gestão", qual seja, uma política fiscal apertada que passaria, num primeiro momento, pelo corte de algo em torno de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) dos gastos federais ( Valor, 4 de outubro).

Governo e campanha tucana, na verdade, estão mirando, por diagnósticos e propostas diferentes, os problemas que se interpõem entre o Brasil e o desenvolvimento. Ambos os planos para uma política econômica a partir do ano que vem passam pela constatação de que é preciso abrir espaço para o investimento público, contraído pelo pagamento de um alto serviço da dívida pública e por um alto gasto com a Previdência Social.

Um ajuste fiscal forte é o que propõe a campanha de Alckmin. Pelas suas contas, é possível cortar cerca de R$ 60 bilhões dos gastos públicos, aí excluídos os gastos da Previdência. Talvez porque esse não seja um assunto popular em período eleitoral, os tucanos evitam falar claramente em reforma da Previdência. Aliás, o candidato Geraldo Alckmin seguidas vezes tem dito que não pensa em reforma previdenciária, mas em resolver o problema do déficit do Instituto Nacional da Previdência Social (INSS) com o aquecimento da economia. Isto é, o aquecimento favoreceria a formalização do trabalho e isso resultaria num reforço de arrecadação para o INSS. É um discurso em muito semelhante ao que o PT fez há quatro anos, embora, depois de ter assumido o governo, tenha se rendido às evidências de que manter a Previdência como estava seria alimentar uma bomba relógio. A reforma de Lula atacou principalmente o sistema previdenciário do setor público, enquanto seu antecessor promoveu mudanças no sistema de aposentadoria do trabalhador em empresas privadas.

A equipe de campanha de Alckmin, no entanto, não afasta a hipótese de uma mudança futura no INSS. Apenas a condiciona a uma "limpeza", no orçamento do INSS, dos gastos com assistência social - os referentes à Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e da Renda Mensal Vitalícia são feitos às expensas do caixa da Previdência, que teoricamente teria que arcar apenas com as aposentadorias e pensões daqueles que contribuíram para com o INSS. Retirar os gastos assistenciais do caixa do INSS é uma providência racional.

Resolver o nó da Previdência é extremamente difícil e politicamente complicado. É vital, porém. Há algo de muito errado que um país pobre como o Brasil tenha um nível de gastos com pensões e aposentadorias de 13% do Produto Interno Bruto, após o último aumento do salário mínimo - superior, por exemplo, ao da Espanha e do Japão, como aponta Claudio Haddad, articulista do Valor, em sua coluna (5 de outubro). Há uma discrepância enorme: para a estrutura etária brasileira - o país é jovem, muito jovem se comparado aos europeus - o Brasil deveria estar gastando 3,5% do PIB com previdência e assistência, e não os 13% atuais.

Separar o que é aposentadoria e pensão do que é benefício social, que deveria ser previsto em Orçamento, é um passo necessário para se aquilatar o tamanho do rombo e a solução para os problemas. Mas não é possível continuar a protelar as questões fundamentais com minirreformas, frutos de acordos políticos, que apenas trazem paliativos. Os gastos são crescentes e precisam ser contidos agora, pois as mudanças demoram a surtir efeitos, que se manifestam em geral no intervalo de uma geração. E uma vez tomadas as medidas, elas têm de ser executadas. Até hoje a criação do fundo de pensão para o funcionalismo público, que assim deixaria de se aposentar pelo salário integral, não saiu do papel. Com isso, os que ingressam no serviço público continuarão a receber o benefício total - uma das causas de distorção da renda previdenciária, em favor dos mais aquinhoados, e do elevado rombo.