Título: A verdade que pode mudar tudo
Autor: Stephens, Philip
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2006, Opinião, p. A15

Eles ainda não perceberam. Se você se puser a ouvir o que dizem os políticos, poderá pensar que eles finalmente estão entendendo a relevância da mudança climática. Crescimento sustentável é o clichê político de nosso tempo. Políticos espertos aprenderam que é possível colher votos plantando árvores. Mas, se você ouvir atentamente, perceberá que a maior parte da retórica é vazia.

As mudanças climáticas converteram-se em apenas mais um item a ser ticado, mais um discreto conjunto de questões de política de governo a serem colocadas ao lado da luta contra o terrorismo, saúde e transporte, crime e previdência social. Energia limpa, captura de dióxido de carbono, biocombustíveis e o resto fundem-se no vasto borrão nebuloso de compromissos e promessas que envolvem tudo - de hospitais novinhos em folha a cortes de impostos. O problema é que o aquecimento mundial é algo muito distinto. Por causa dele, tudo deverá mudar.

Nesta semana conheci Eric Schmidt, executivo-chefe da Google, e o ouvi falar sobre a internet. Por razões que escaparam-me à percepção, Schmidt fez um pronunciamento durante a conferência anual do Partido Conservador britânico. Após o evento, ele falou ao Financial Times.

Para ser honesto, eu fiquei um pouco embasbacado na presença da celebridade. Não é com freqüência que almoço com bilionários, especialmente os que dirigem companhias que meu filho de 13 anos acha "legais". Schmidt é também uma ave rara, suponho: ele é ao mesmo tempo imensamente rico, genuinamente interessante e bastante simpático.

Mas chega de conversa fiada. O assunto de Schmidt foi a lentidão com que os políticos se deram conta da importância da web. Hoje, diz ele, a maioria dos políticos já percebeu o poder da internet; muitos tinham percebido o papel que a rede poderia desempenhar na captura de financiamento político. O que eles não viram foi a total ubiqüidade de seu impacto.

A web não veio como apenas mais um importante progresso da alta tecnologia para se somar a manifestações pré-existentes da engenhosidade humana. A internet reescreveu as regras de produção e distribuição, ampliou enormemente a liberdade para criar e comunicar e para organizar e influenciar, e passaria, cada vez mais, a modificar a dinâmica básica da democracia. Dentro de poucos anos, a internet poderá proporcionar aos eleitores o poder de testar quase instantaneamente a veracidade de seus líderes políticos.

Schmidt tem razão. A internet é diferente porque afeta nossas vidas em quase todas as dimensões - para o bem e para o mal. A rede mundial democratizou o acesso ao conhecimento humano e rasgou fronteiras nacionais, criando comunidades de interesse inteiramente novas. A web deu poder a jihadis e pornógrafos.

Esse discurso pode ser um pouco exagerado e, na medida em que vem da boca do executivo-chefe do Google, pode ser movido por uma dose de auto-interesse. Mas é também essencialmente verdadeiro. Para o bem e para o mal, a web transformou radicalmente os referenciais econômico, social e político das sociedades contemporâneas. Os políticos demoraram mais do que seus cidadãos para compreender as conexões.

Observações muito semelhantes podem ser colocadas sobre a sinistra reação dos líderes políticos às mudanças climáticas - uma possível ameaça existencial muitíssimo mais grave do que os perigos criados pelo terrorismo internacional ou por países "fora-da-lei".

Exceto para aqueles na Casa Branca de George W. Bush ainda convictos de que a Terra é plana, e para seus amigos na companhia petrolífera Exxon Mobil, a explicação científica do efeito estufa é inqüestionável. Os fatos são detalhados no filme narrado por Al Gore, "An Inconvenient Truth" (Uma Verdade Inconveniente). Não disponho de uma bola de cristal para afirmar se Gore pretende concorrer novamente à indicação dos democratas para disputar a presidência dos EUA. Mas é difícil imaginar plataforma mais persuasiva.

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E não precisamos acreditar só porque Gore esteja dizendo. Muito recentemente, cientistas da Nasa anunciaram que a temperatura do mundo está agora atingindo um nível não visto em milhares de anos. A calota polar ártica está desaparecendo, inúmeras espécies de animais e insetos estão migrando para os pólos. À medida que a Terra é aquecida, causando o derretimento de neve e gelo, as superfícies mais escuras absorvem mais luz do sol, num processo realimentação positiva que intensifica ainda mais o aquecimento.

Os aumentos de temperatura registrados nas últimas três décadas, diz o estudo da Nasa, implicam que o planeta está atualmente atravessando o período mais quente no atual período interglacial, que já dura cerca de 12 mil anos. As temperaturas atuais estão apenas aproximadamente um grau Celsius abaixo do máximo registrado durante um milhão de anos.

As elevações de temperatura durante os últimos 30 anos estão também extraordinariamente próximas das previsões feitas pelos cientistas que pela primeira vez modelaram o efeito estufa, na década de 1980. Continuar a negar o nexo entre aquecimento mundial e emissões de dióxido de carbono é como sustentar que ainda precisamos provar conclusivamente que fumar cigarros causa câncer.

Os efeitos - elevação dos níveis do mar, padrões climáticos imprevisíveis e violentos, desertificação freqüente - são igualmente visíveis e previsíveis. Se há uma pergunta que a ciência ainda não respondeu é quão perto estamos de um ponto de não-retorno, quando os danos ao planeta tornam-se irreversíveis?

A reação dos políticos tem sido de indiferença, enquanto o planeta começa a arder. A maioria deles exibe a timidez que vem junto com a incompreensão de que a mudança climática é mais do que apenas mais uma dor de cabeça de política de governo. Os demais temem explicitar as conseqüências para os eleitores. O melhor que pode ser dito sobre o Protocolo de Kyoto é que a aceleração do aquecimento mundial teria sido ainda mais rápida se o tratado não tivesse sido assinado. Até agora, as negociações sobre um acordo sucessor dificilmente foram mais animadoras.

Sem dúvida, muitos políticos sabem falar sobre emissões de dióxido de carbono, usinas combinadas de calor e eletricidade, fazendas eólicas, reflorestamento etc. Alguns se aventuram em terreno mais perigoso, ousando especular que viagens aéreas baratas podem não ser um direito inato inalienável.

Tudo isso é importante. E é também, em larga medida, irrelevante, enquanto as mudanças climáticas forem tratadas como apenas mais uma questão de política governamental. Para que os governos ocidentais - sem falar em China e Índia - possam evitar a catástrofe, o risco imposto pelo aquecimento mundial precisa transformar-se num tema político: gerando uma reação que envolva e seja incorporada a todas as áreas governamentais e políticas - das questões econômicas às habitacionais, da pesquisa científica ao comércio, de política externa a desenvolvimento humano.

Nem tudo é desalentador. Um relatório ainda não publicado, comissionado pelo governo britânico, mostra que os custos de agir agora são relativamente modestos - bem menores do que os que seriam necessários se não tomarmos agora as providências. Nos EUA, Bush está parecendo cada vez mais isolado e caduco, à medida que mais países e cidades comprometem-se em reduzir as emissões de dióxido de carbono.

A escolha, de todo modo, é simples. Podemos permitir que nossos filhos sofram as assustadoras conseqüências do aquecimento mundial; ou podemos agir para evitá-las, repensando radicalmente a maneira como vivemos e trabalhamos. Seja como for, as mudanças climáticas, como a internet, mudaram tudo.

Philip Stephens é colunista