Título: Espanha parece rumar para o resgate inevitável
Autor: Costa , Roberta
Fonte: Valor Econômico, 20/08/2012, Finanças, p. C12

Depois de duas semanas de silêncio das autoridades da zona do euro, a chanceler Angela Merkel deu um sinal, em uma entrevista no Canadá, de que apoia a monetização das dívidas dos países periféricos - leia-se Espanha e Itália.

Houve certo desapontamento desde a fala do presidente do Banco Central Europeu (BCE), Mario Draghi, em 26 de julho, quando disse com todas as letras que faria o que fosse possível para defender o euro e que o euro é "irreversível". Na reunião do BCE, em 2 de agosto, não houve novas indicações, nenhuma ação concreta, e o que ficou no ar foi a expectativa de que "nas próximas semanas", como disse Draghi, algo fosse anunciado.

De fato, o mercado reconsiderou a apreensão e a urgência. Os rendimentos exigidos para o financiamento da dívida espanhola de 10 anos, que bateram em 7,16% no dia da reunião do BCE, recuaram para 6,46%. Na ponta curta da curva (prazo de dois anos), os "yields" (rendimentos) foram de 4,83% para 3,76%.

Contribui também para a menor pressão o cronograma de vencimentos mais leve em agosto e setembro - € 10 bilhões e € 1,5 bilhão, respectivamente. Em outubro, por outro lado, o desafio será rolar os € 33,6 bilhões, entre principal e juros. Já os yields de países centrais como EUA e Alemanha voltaram a subir, deixando para trás os pisos históricos atingidos nos piores dias da crise.

O voto de confiança no BCE vem sendo respaldado pela esperança de que a Alemanha flexibilize sua posição quanto à compra de títulos soberanos dos países do sul, seja via BCE, seja via os fundos de resgate. O imbróglio passa pelo próprio papel do banco central. Ele não pode fazer pelos países aquilo que é tarefa inerente aos governos: equilibrar suas contas fiscais.

Não se sabe se a fala de Merkel se transformará, na prática, em alguma saída mais rápida para a zona do euro, já que os problemas continuam onde sempre estiveram nas últimas semanas. A Grécia continua na berlinda esperando por uma extensão no prazo de enquadramento nas metas da troica, e a Espanha (principalmente) sofrendo com indicadores sociais em níveis desesperadores e uma sangria no sistema financeiro.

Nesse ponto, chama atenção o nível recorde de dependência de crédito dos bancos espanhóis junto ao BCE em julho: foram € 375 bilhões, um número sete vezes maior do que em julho de 2011. A inadimplência no setor financeiro também bateu um nível recorde em junho (último dado), chegando a 9,42% da carteira de crédito (€ 164,4 bilhões), ante 6,7% em julho de 2011 (€ 121,6 bilhões). O pacote já aprovado de até € 100 bilhões para o sistema financeiro continua, portanto, urgente.

De concreto, a espera é pelo pedido formal da Espanha (e talvez da Itália) por ajuda, o que implica condicionalidades, embora, ao que tudo indica, menos draconianas do que as impostas à Grécia, Portugal e Irlanda. Isso porque o país já vem fazendo cortes no orçamento com o objetivo de cumprir as metas de déficit orçamental neste e no próximo ano.

Além do socorro ao sistema financeiro, as regiões autônomas estão em situação financeira delicada. Das 17 regiões, duas já pediram ajuda formal ao governo central - Murcia e Valência -, mas há outras na fila. O governo espanhol, frente a essa realidade, criou o Fundo de Liquidez Autônomo, com aporte de € 18 bilhões para emprestar às regiões sob condicionalidades impostas por Madri.

No fim de julho, o Conselho de Política Fiscal e Financeira estabeleceu limites para o endividamento das regiões autônomas até 2015. O déficit não pode ultrapassar 1,5% do PIB regional em 2012, 0,7% em 2013 e 0,2% em 2014. Em 2015, a previsão é de superávit de 0,2%. Já o limite para a dívida global das 17 regiões é de 15,1% do PIB da Espanha em 2012, 16% em 2013, 15,9% em 2014 e 15,5% em 2015.

Segundo o último boletim estatístico do banco central espanhol, em março de 2012 a dívida global regional representava 13,5% do PIB da Espanha, ou € 145 bilhões - ou seja, está dentro do limite acordado. Entre as 17 regiões, apenas o País Basco ultrapassava seu teto, com excedente de € 97 milhões.

Os tetos para a dívida variam de uma região para outra. Em Valência e Murcia, que já pediram resgate ao governo espanhol, não podem ultrapassar 22,18% e 12,55% de seu PIB, respectivamente. Valência, como se sabe, está no centro do rombo do Bankia, hoje nacionalizado.

Até o fim do ano, contudo, mais oito comunidades autônomas deverão ultrapassar o limite de endividamento. Evidência disso é o cronograma de vencimentos da dívida regional. Em 2012, vencem € 35,6 bilhões das dívidas das 17 regiões, dos quais € 31 bilhões entre março e dezembro. A dívida regional espanhola ao fim do ano, portanto, deverá ser de, no mínimo, € 176 bilhões - a soma entre o retrato da dívida em março e os vencimentos previstos para o resto do ano. Em vista deste cálculo, as regiões autônomas devem encerrar o ano sem cumprir a meta de 15,1% do PIB da Espanha, o que representa € 160,1 bilhões.

Dado o cronograma de vencimentos, nove regiões podem não honrar a meta: Andaluzia, Castilla-La Mancha, Catalunha, La Rioja, Madri, Murcia, Navarra, País Basco e Valência.

Catalunha é a região que, provavelmente, ficará mais longe de cumprir o seu limite de endividamento de € 45,1 bilhões e poderá pedir socorro em breve. Sua dívida no primeiro trimestre do ano somava € 42 bilhões e chegará a € 54,7 bilhões no fim de 2012, com os € 12,7 bilhões vincendos entre março e dezembro.

Valência, que chegou a pedir ajuda formal de € 3,5 bilhões no dia 20 de julho, deverá ultrapassar o nível máximo de dívida em € 4,7 bilhões. Murcia, que solicitou aporte de € 200 milhões a € 300 milhões em 23 de julho, deve mostrar excedente de € 266 milhões.

A situação fiscal da Espanha, portanto, é delicada. Tendo em vista as metas de déficit de 6,3% e 4,5% do PIB para o país para 2012 e 2013, respectivamente, é custoso acreditar que todo o esforço do país individualmente pode ser profícuo. Diante desses números todos, o socorro parece inevitável.