Título: Na dúvida, celular velho fica no fundo da gaveta
Autor: Sobral, Eliane
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2006, Empresas, p. B4

Com tecnologias cada vez mais avançadas e funções antes impensáveis para um aparelho de telefone, o celular há muito tempo deixou de ser apenas um meio de comunicação - virou acessório de moda, câmera fotográfica, mídia para assistir vídeos ou para jogar o último game da moda. O brasileiro aderiu ao celular e, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), em agosto passado o país atingiu a marca de 94,9 milhões - ou 50 aparelhos por grupo de 100 habitantes.

Quem não tem pelo menos um telefone celular "velho", esquecido na gaveta, que envie o primeiro SMS. O que fazer com o lixo que começa a se acumular nas casas e escritórios é uma pergunta ainda sem resposta no Brasil.

Sem a obrigatoriedade legal de tratar do descarte de celulares, fabricantes e operadoras limitam-se a aplicar aos telefones a mesma política que permeia a reciclagem de pilhas e baterias (essa sim, regulamentada pela resolução 257/99 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). Mas a tendência é de que o destino dos aparelhos descartados também seja regulamentada por lei, segundo o secretário de qualidade ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Victor Zveibil.

O Poder Executivo, diz Zveibil, já tem pronto um projeto de lei tratando da reciclagem de resíduos sólidos domésticos em geral - o que inclui desde o chamado lixo eletrônico, que abrange eletroeletrônicos e aparelhos de telefone celular, a pneus e garrafas PET. "O projeto está na Casa Civil da Presidência da República e será encaminhado em breve ao Congresso Nacional", afirma. Ele explica também que o projeto trata da responsabilidade do fabricante quanto à recuperação e reciclagem de material descartado.

Há poucas iniciativas por parte das indústrias. A coreana LG, por exemplo, informa por meio de sua assessoria de imprensa que não tem no momento, nenhuma política de destinação dos aparelhos usados.

A Samsung, também segundo sua assessoria de imprensa, orienta preventivamente seus clientes a procurarem sempre um posto autorizado para que o aparelho seja recolhido e encaminhado para o processo de descarte apropriado. A empresa não informa, porém, em que consiste esse "descarte apropriado".

Alguns consumidores já descobriram, porém, que a entrega na loja autorizada nem sempre garante o "descarte apropriado". Ao trocar o modelo de seu aparelho, uma consumidora buscou informações e decidiu levar o antigo à loja autorizada. Voltou para casa com a sensação de dever cumprido. Passados alguns meses, porém, surpreendeu-se com o telefonema de um terceiro que comprou seu aparelho velho na loja e queria autorização para a transferência.

A Nokia informa que sua política para aparelhos descartados é a mesma aplicada a pilhas e baterias. "Orientamos o consumidor a devolver o aparelho que ele não quer mais em uma assistência técnica autorizada. Os equipamentos recolhidos são enviados para duas empresas de reciclagem uma na França e outra em Cingapura, com as quais a Nokia tem contrato mundial", diz Manoel Lins Júnior, gerente de suporte ao cliente final da Nokia para a América Latina.

Segundo o executivo, em cinco anos de programa, mais de 5 milhões de aparelhos, entre celulares e baterias, já foram encaminhados para reciclagem. "A Nokia tem hoje cerca de 600 pontos de coleta", diz. Pelo site na internet, o consumidor interessado em devolver seu aparelho antigo, é informado do posto de recolhimento mais próximo. Apesar do esforço voluntário, a empresa não faz campanha de alcance maciço para esclarecer o consumidor e limita-se a informar nas embalagens e no manual de instruções que o cliente deve devolver seu aparelho e as baterias usados nos postos autorizados.

Por parte das operadoras, a situação não é muito diferente e as empresas limitam-se a dizer que os aparelhos podem ser devolvidos nos postos autorizados. E nem fabricantes e operadores sabem dizer qual é o volume total de celulares descartados hoje no Brasil.

"A responsabilidade pelo pós-consumo é do fabricante. Ele tem de dizer que uso será dado a algo que ele vendeu e que um dia vai virar lixo", afirma Zilda Veloso, coordenadora geral de qualidade ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). "Hoje os fabricantes já se preocupam em produzir aparelhos cujas partes são de fácil separação e isso facilita o encaminhamento para a reciclagem. Mas fazem isso muito mais por questões de marketing", diz.

O presidente do Instituto Akatu pelo consumo consciente, Hélio Mattar, diz que as empresas ainda não perceberam que a preservação ambiental é uma grande preocupação dos consumidores. "Essa é, aliás, a segunda questão apontada pelos consumidores na última pesquisa que fizemos sobre imagem corporativa, quando a pergunta foi estimulada e aparece em quarto lugar quando a resposta é espontânea", diz Mattar. Para ele, também é preciso fazer um trabalho de conscientização do próprio consumidor sobre o impacto que o descarte de telefones celulares causa ao meio-ambiente.