Título: Futuro de Kerkorian fica incerto após fracasso da parceria GM e Renault
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Fonte: Valor Econômico, 09/10/2006, Empresas, p. B6

A visão do bilionário investidor Kirk Kerkorian de uma aliança tripartite entre General Motors (GM) e Renault-Nissan morreu. Está destruída. Em encontro do conselho de administração da GM em 3 de outubro, os membros votaram a favor da determinação da direção, de que uma aliança com a Renault/Nissan não traria os benefícios suficientes para que a gigante automotiva dos Estados Unidos prosseguisse com as discussões. Até Jerome B. York, o membro do conselho da GM que representa Kerkorian, dono de 10% das ações da montadora, aceitou a decisão apresentada pela direção. Ele nunca propusera que o conselho fizesse outro estudo, independente, sobre o potencial da aliança, como se chegou a especular na imprensa.

As montadoras não chegaram a um acordo sobre como casar suas operações. Os benefícios do acordo eram desproporcionais entre os dois lados e a Nissan teria mais vantagens com a aliança, segundo o executivo-chefe e presidente do conselho de administração da GM, Rick Wagoner. Para acabar com a disparidade, o executivo queria uma compensação financeira - algo entre US$ 2 bilhões e US$ 3 bilhões, de acordo com uma fonte próxima à Renault - e também pedia um ágio sobre o valor de mercado das ações da GM que seriam passadas à Renault/Nissan. Wagoner queria liberdade para entrar em empreendimentos conjuntos com outras empresas.

O executivo-chefe da Renault-Nissan, Carlos Ghosn, não aceitava nada disso. Ele queria presidir a comissão da aliança. Isso lhe daria maior controle para decidir o que cada um compartilharia. Outro ponto de dissenso: a GM tinha dúvidas se valia a pena ceder suas vantagens de escala, como maior montadora mundial, para o rival.

Com a aliança - aventada pela primeira vez por Kerkorian há três meses - agora morta, ficam no ar algumas importantes perguntas. O que Kerkorian fará a seguir? Será que Ghosn agora começará a negociar uma aliança com a Ford? A recuperação da GM realmente tem força para continuar?

A Ford e a Renault-Nissan provavelmente começarão a flertar, comentou um executivo de banco de investimentos próximo à Renault. O presidente do conselho de administração da Ford, Bill Ford ligou para Ghosn em agosto, mostrando interesse em uma aliança.

Enquanto Ghosn segue seu próprio caminho, Kerkorian precisa pensar em uma nova estratégia. Uma fonte próxima à Tracinda, sua firma de investimentos, informou que Kerkorian e York ainda não decidiram o que fazer a seguir.

O investidor não tem muitas opções. Kerkorian e York esperavam que uma aliança com a Renault não apenas trouxesse bilhões em economias, mas também arregimentasse o proclamado executivo-chefe Ghosn para a GM. Caso Wagoner, eventualmente, perdesse prestígio, imaginavam trazer Ghosn e suas admiradas habilidades para a equipe da GM.

Há duas semanas, Kerkorian comunicou à Securities and Exchange Commission (SEC, a Comissão de Valores Mobiliários dos EUA) sua possível intenção de elevar a participação na GM para 12%. Na sexta-feira o magnata dos cassinos, de 89 anos, desistiu da idéia.

Uma das grandes divergências entre Kerkorian e a direção da GM é o progresso da recuperação da empresa. Wagoner vem alardeando progresso nos últimos meses, enquanto a ala de Kerkorian resmunga que os lucros - e, portanto, o preço das ações - não se recuperam com a rapidez necessária.

Para ser justo com Wagoner, a GM progrediu. Depois de perder US$ 10,6 bilhões no ano passado, a montadora cortou 34,4 mil empregos e conseguiu fazer os sindicatos engolirem concessões nos planos de saúde dos aposentados. A receita está em alta. Tudo isso somado deu à GM um lucro operacional de US$ 1,1 bilhão no segundo trimestre.

Em agosto, Wagoner comemorou que os gastos contábeis provocados pelos programas de descontos nos preços dos veículos caíram em relação a 2005 e que as vendas varejistas subiram, assim como os preços médios de venda. Estudo divulgado pela consultoria do setor automotivo Harbour and Associates mostrou que a receita por veículo da GM saiu de menos de US$ 20 mil por carro no fim do ano passado para US$ 23,6 mil.

No entanto, basta conversar com fontes próximas a Kerkorian para ouvir uma avaliação completamente diferente. Ele teme que a recente recuperação da GM não seja necessariamente sustentável.

Mesmo com Wagoner tendo dito em agosto que haviam "realmente elevado" as vendas e a participação de mercado nos dois meses anteriores, os gastos com descontos haviam crescido nesse período. Com esses incentivos a GM abriu mão de US$ 3.436 por veículo até 20 de setembro, US$ 1,1 mil a mais do que em maio, segundo a J.D. Power and Associates.

O receio da ala de Kerkorian é que a participação da GM, que caiu neste ano 2 pontos percentuais, para 24,5%, possa ser elevada apenas com mais descontos e que, no longo prazo, continue em queda. Um declínio nas vendas tornaria mais difícil para a GM manter lucros fortes, mesmo em meio aos cortes de custos.

Outro fator a ser levado em conta é que a GM vive a parte boa de seu novo ciclo de produtos, segundo o analista John Murphy, da Merrill Lynch. O lançamento, no início do ano, de seus novos e grandes utilitários-esportivos e, mais para o fim do ano, de novas picapes e veículos mistos, com características de utilitários-esportivos e carros de passeio, trarão um impulso à montadora.

Em 2007, os novos modelos representarão 37% do volume de vendas da GM, maior porcentagem no setor, de acordo com a Merrill Lynch. Uma marca superior à da Toyota e o dobro das da Honda e DaimlerChrysler. Em 2008 e 2009 calcula-se que o número cairá para apenas 10% do volume vendas, metade da média no setor.

É isso que preocupa Kerkorian e sua equipe. A participação da GM está em queda neste ano e a projeção é de novo declínio no próximo. Wagoner terá de acelerar o lançamento de modelos para manter um volume suficiente que sustente o atual ímpeto.

A Tracinda, de Kerkorian, avalia que compartilhar autopeças, motores, plataformas de veículos e recursos de engenharia com a Renault-Nissan teria ajudado a GM a desenvolver novos veículos de forma mais barata e rápida.

Agora, esqueçam disso. Kerkorian terá de encontrar outras formas para pressionar a GM a conseguir o que quer. Caso ele não consiga ganhar mais influência, poderá ter de esperar para ver se o plano de recuperação de Wagoner continua na linha - ou se derrapa para fora da estrada. (Tradução de Sabino Ahumada)