Título: Avança na Argentina tese de nova reeleição de Cristina
Autor: Felício , César
Fonte: Valor Econômico, 24/08/2012, Internacional, p. A13

De forma cautelosa, os aliados da presidente argentina, Cristina Kirchner, começam a preparar o terreno para a nova reeleição da dirigente em 2015, hipótese hoje vedada pela Constituição. A estratégia passa por tirar o caráter personalista da alteração constitucional.

Nos últimos dias, governadores que buscam o mesmo direito em nível regional, como o de Neuquén, Jorge Sapag; e o de Mendoza, Francisco Pérez, propuseram a mudança. Desde maio, as correntes mais radicais do kirchnerismo estão percorrendo o país promovendo conferências que pedem uma reforma constitucional ampla. A presidente mantém silêncio sobre o tema.

A Constituição argentina é de 1853 e foi reformada pela última vez em 1994. Para mudar a Carta é preciso convocar, com dois terços dos votos da Câmara e do Senado, uma assembleia constituinte exclusiva. Quando conseguiu mudar as regras para buscar a reeleição, o então presidente Carlos Menem fez um acordo com o principal líder oposicionista da época, o ex-presidente Raúl Alfonsín, conhecido como "pacto de Olivos". A reeleição passou a ser permitida para um mandato.

A presidente conta hoje com 135 dos 257 votos da Câmara e 38 dos 72 votos do Senado. Precisa manter a sua base e eleger mais 37 deputados e dez senadores nas eleições parlamentares do próximo ano. Seria uma missão quase impossível se a renovação no ano que vem fosse total. Mas estarão em jogo os mandatos obtidos em 2009, ocasião em que a oposição ganhou 87 das suas atuais 122 vagas de deputados. No Senado, 28 das 36 cadeiras em disputa pertencem a oposicionistas ou independentes. Apenas seis senadores não alinhados à Casa Rosada estão dispensados de renovar o mandato no próximo ano.

Cristina teve 54% dos votos para se reeleger no ano passado e, mesmo com a popularidade em queda, mantém um índice de aprovação entre 40% e 45%. O cenário econômico no próximo ano é de uma relativa retomada de crescimento. "Não é uma loucura pensarmos em obter algo como 45% dos votos no próximo ano", comenta o dirigente Eduardo Sigal, do Partido Frente Grande, uma das alas do kirchnerismo, que conta como membro mais destacado a ministra da Segurança, Nilda Garré.

Sigal está entre os organizadores de uma caravana que percorre a Argentina sugerindo uma reforma constitucional ampla, tratando desde temas ambientais até a relação federativa. "É necessário estabelecer denominadores comuns com setores que estão fora do âmbito do governo. Uma redução a um projeto de hegemonia vai aglutinar o lado contrário", afirmou.

A Frente Grande organiza conferências junto com o Partido Miles, ligado aos grupos de piqueteiros (movimentos sociais que promovem bloqueios de rodovias e ruas como forma de protesto). Também participam a central sindical oficialista CTA e correntes do peronismo, como o Movimento Evita. A ofensiva dos governadores é debilitada porque a proposta ainda não tem adesão das maiores Províncias (Estados). Os governadores de Santa Fé e Corrientes são da oposição. O governador de Córdoba, José Manuel de la Sota, está em confronto com Cristina por não obter socorro econômico para pagar aposentadorias. E o da Província de Buenos Aires, Daniel Scioli, é um potencial presidenciável em 2015.

Uma razão para a cautela dos apoiadores da re-reeleição são as pesquisas. Embora Cristina mantenha níveis altos de popularidade, a rejeição à ideia da recondução é enorme. Em uma pesquisa nacional de opinião encerrada em 10 de agosto, o instituto Poliarquia constatou que 67% dos pesquisados desaprovam um novo mandato para Cristina. Mesmo entre os 42% de entrevistados que classificam seu governo de bom e ótimo, a rejeição a uma nova eleição chega a 50%.

"Os resultados são muito eloquentes, mas é preciso ressalvar que o governo ainda não está fazendo nenhum esforço de comunicação para atenuar este quadro. Uma ação de Cristina pode tornar o tema mais palatável", afirmou o diretor do instituto, Sérgio Berensztein.

Entre os oposicionistas, a estratégia que se desenha é procurar antecipar o debate eleitoral para tentar resistir à ofensiva governista. Não se aposta na repetição em 2013 do quadro favorável que a oposição teve há três anos, quando Cristina estava fragilizada por uma recessão econômica e pelo desgaste de sua derrota parlamentar ao tentar aumentar impostos para o setor rural. "Devemos fazer agora o que nos faltou logo depois de 2009, que é apontar ao eleitorado alternativas claras de poder", disse a deputada Alicia Ciciliani, do Partido Socialista. Alicia foi a coordenadora da campanha presidencial do ex-governador de Santa Fé Hermes Binner, que ficou em segundo lugar com 17% do total em 2011.