Título: Prestação de contas é capenga
Autor: Hessel, Rosana
Fonte: Correio Braziliense, 07/11/2010, Economia, p. 14

MÁQUINA PÚBLICA De volta ao Brasil, funcionários deixam relatórios incompletos e não detalham os dados da viagem, dificultando a fiscalização

A falta de controle nas despesas com diárias de servidores públicos em viagens internacionais é enorme, dificultando o trabalho dos órgãos de fiscalização da União. É o secretário-geral da organização não governamental (ONG) Contas Abertas, Gil Castello Branco, quem diz: ¿Os formulários enviados aos órgãos responsáveis pela liberação das verbas de passagens e de diárias são incompletos e as justificativas não são detalhadas¿. E acrescenta: ¿Quando tentamos analisar os dados, o trabalho é interrompido no meio do caminho. Há servidores que não especificam o motivo da viagem, muito menos o destino e o período em que estiveram fora do país¿.

Na avaliação de Castello Branco, enquanto não houver maior rigidez no controle das despesas, por menor que elas sejam, muito dinheiro dos contribuintes continuará escorrendo pelo ralo e facilitando a corrupção. A mesma avaliação é feita por um técnico do Tesouro Nacional. ¿Falam que os valores com diárias para viagens ao exterior são pequenos. Mas é justamente esse tipo de discurso que facilita desvios. Quando centavos são desperdiçados em bilhões, a conta final torna-se pesada¿, ressalta.

Esse técnico afirma que a diária mínima para o exterior é de US$ 170 (R$ 285,43) para os funcionários do menor escalão e a máxima, de US$ 460 (R$ 772,34), para ministros de Estado. ¿Para se ter uma dimensão do que está sendo gasto por dia com servidores em viagens internacionais, basta abrir todos os dias o Diário Oficial da União. É obrigatória a publicação dos nomes das pessoas que deixam o país a trabalho¿, diz o funcionário do Tesouro, que vê com bons olhos a iniciativa do Banco Central de dar publicidade ao assunto. ¿Se os ministérios se contentam com os cartões de embarque para a comprovar as viagens, alguém tem que mostrar o gasto.¿

Suspeitas no ar Por ironia, um dos órgãos de controle do país vem se destacando como um dos campeões no aumento de gastos com viagens de funcionários ao exterior: o Tribunal de Contas da União (TCU). Lá, somente entre junho e julho deste ano, as despesas com passagens deram um salto de 633,9%, de R$ 9.320 para R$ 68.403. O TCU explicou que o aumento decorreu da maior participação de seus servidores em congressos na América Latina. E mais: mesmo julho sendo um mês de férias na Justiça, o tribunal não entra em recesso. O Ministério Público da União (MPU) foi além e ampliou em 7.666% os gastos com passagens entre junho e julho (de R$ 503 para R$ 39.082).

¿Algo está errado. Não é possível que, justamente nos meses de férias escolares, os gastos com passagens e diárias para o exterior aumentem no serviço público. Parece que tudo é feito para emendar a viagem com as férias¿, afirma Castello Branco. Ele ressalta a importância de se dar publicidade ao assunto. Depois que os desvios de conduta e os exageros do Congresso Nacional foram desvendados, a farra das viagens diminuiu. As despesas caíram 54,7% na Câmara e 74,2% no Senado entre junho e julho deste ano.

Dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) mostram que, entre 2008 e 2009, os gastos com passagens internacionais no Executivo passaram de R$ 99 milhões para R$ 114 milhões e, até 21 de outubro deste ano, totalizavam R$ 89,8 milhões. Já as despesas com diárias avançaram de R$ 87 milhões em 2008, para R$ 101 milhões no ano passado, e, até outubro, chegavam a R$ 88,7 milhões. ¿A impressão que se tem é que o governo tornou-se uma grande agência de viagens. Quando incluídos os gastos no país, passagens e diárias totalizam quase R$ 1,5 bilhão por ano¿, afirma um funcionário do Ministério da Fazenda.

Gastos generalizados A gastança com diárias a servidores em viagens ao exterior é generalizada. No governo federal, três ministérios ¿ Relações Exteriores, Defesa e Educação ¿ respondem por metade das despesas. Na pasta da Educação, os gastos são puxados pelas universidades, sobretudo pela de Brasília (UnB), cujos funcionários sempre preferem viajar às vésperas das férias escolares.

¿É realmente difícil saber o porquê de o grande aumento nos gastos se dar justamente entre junho e julho, mas não deixa de ser curioso¿, diz Wellington Almeida, chefe de gabinete da Reitoria da UnB. O Ministério da Defesa, por sua vez, alega, que seus gastos englobam as atividades de administração das três Forças Armadas, envolvendo 300 mil militares, e da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Além disso, há as despesas com a tropa que está no Haiti, ajudando na reconstrução do país devastado por um terremoto.

Já o Itamaraty justifica que o Brasil está expandindo a sua atuação no exterior. Portanto, é natural que mais funcionários desloquem-se para fora do país para ajudar na abertura de embaixadas e de representações consulares. O retorno das despesas, no entender do ministério, se dá por meio do forte aumento da corrente comercial e de ganhos de imagem, especialmente neste momento em que o Brasil é visto como porto seguro para investimentos. (RH)