Título: UE quer garantia de alimento seguro
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2006, Agronegócios, p. B11

Markus Kyprianou, comissário europeu encarregado da saúde e da proteção dos consumidores, tem um programa inevitável na visita que inicia hoje ao Brasil: comer um bom churrasco. Mas o comissário, nascido no Chipre e filho do segundo presidente do país, Spiro Kyprianou, que sucedeu o fundador da república, o arcebispo Makarios, está ainda mais interessado em não deixar dúvidas sobre sua mensagem.

Nos encontros com autoridades em Brasília e visitas a laboratórios de controle de resíduos, frigoríficos, usina de processamento de atum e fazenda de gado em Goiás até sexta, Kyprianou vai martelar que, se o Brasil não garantir plenamente a segurança dos alimentos, não hesitará em reagir. "Há alguns problemas pendentes relacionados à saude animal e proteção do consumidor, que se não forem resolvidos totalmente o mais rápido possível, nos levarão a tomar medidas que se impõem", disse em entrevista por telefone.

A UE é o maior comprador dos produtos agropecuários brasileiros. E a responsabilidade de Kyprianou na Comissão Européia envolve segurança dos alimentos, saúde pública, direitos dos consumidores e bem-estar dos animais. Ele acredita que todos os alimentos que chegam à UE têm de seguir os padrões do mercado europeu.

A própria Organização Internacional de Saúde Animal (OIE) já disse que a UE exige além do que as regras internacionais estabelecem. O comissário reconhece ser necessário "esforço extra" para atingir os padrões europeus, mas argumenta haver países em desenvolvimento cumprindo as normas européias. Então, por que não o Brasil?

Kyprianou aponta como principal problema no Brasil o controle de resíduos em alguns produtos, como carne suína, de carneiro, de bode e pescados. Com relação a carnes bovina, de cavalo de frango e produtos da aquicultura, a UE julga suficientes as garantias dadas pelo Brasil "diante de lacunas existentes".

Ele alerta: "Existe o novo plano proposto pelo Brasil, mas não adianta estar só no papel. Acho que chegou o momento de ser implementado e acho que é possível". Kyprianou espera que tudo esteja em ordem quando uma nova missão de inspeção européia for enviada ao Brasil no começo de 2007, senão haverá novas barreiras às exportações brasileiras.

A rastreabilidade animal é outro setor em que a UE exige do Brasil mais controle e melhora na legislação. O país se comprometeu a rever o sistema. "O novo sistema é válido, mas como no caso dos resíduos tem de ser plenamente implementado".

Quanto ao controle da aftosa, o comissário parece mais tranqüilo. A UE proibiu a entrada de carne bovina do Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo após o ressurgimento da doença há um ano. Uma missão que esteve em São Paulo, há duas semanas, decidiu não ampliar o embargo por considerar a carne segura.

Mas pecuaristas do Reino Unido e da Irlanda não se conformam com a concorrência brasileira. O presidente da Federação dos Agricultores da Irlanda, Pedraig Walshe, voltou a dizer à UE que o produto brasileiro não tem o mesmo padrão de controles da aftosa, resíduos, rastreabilidade e ambiental. Os irlandeses questionam a regionalização, por causa da "inadequada rastreabilidade e controle nas fronteiras". Mas, Kyprianou é incisivo: "Na questão da aftosa, acreditamos que a regionalização no Brasil, que também aplicamos, é suficiente para garantir saúde do consumidor e está dentro dos padrões que temos na Europa".

Em contrapartida, ele levantará a questão do controle nas fronteiras nas conversas em Brasília. "Monitorar o trânsito dos animais é extremamente importante em qualquer lugar do mundo. Para erradicar qualquer doença, tem que monitorar qualquer movimento de animais".

O comissário garante que resiste a pressões comerciais e que todas as medidas tomadas pela UE têm base científica. "A UE é o maior importador de alimentos do mundo. Não temos produção suficiente, e não temos nenhum interesse em tomar outra medida que não seja para a saúde do consumidor".

Kyprianou espera que na negociação UE-Mercosul um acordo de medidas sanitárias e fitossanitárias seja acertado para evitar novos problemas no comércio entre os blocos.