Título: Lula veta artigos da lei de saneamento para evitar perda de receita para União
Autor: Izaguirre, Mônica
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2007, Brasil, p. A2

O presidente Lula vetou uma série de dispositivos da lei que estabelece as diretrizes nacionais para a prestação de serviços de saneamento básico no Brasil. Sancionado na última sexta-feira, o texto publicado ontem no "Diário Oficial da União" deixa de fora principalmente artigos que gerariam perda de receita para a governo federal e suas estatais. Um deles concedia incentivo fiscal aos investimentos do setor. Também foi alvo de veto o que permitia às concessionárias tirar dos Correios as tarefas de medição e entrega das contas de água e esgoto.

A versão aprovada pelo Congresso previa que valores investidos pelas empresas prestadoras em ativos permanentes das redes de saneamento poderiam se transformar em crédito tributário, abatendo a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e a Contribuição PIS/Pasep. Para que o incentivo fosse concedido, bastaria regulamentação da Receita Federal.

Em vez disso, o Ministério da Fazenda pediu o veto, argumentando que a "obvia renúncia de receita tributária" não foi acompanhada de prévio cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal. O artigo 14 da LRF exige que a concessão de benefícios envolvendo renúncia de arrecadação seja acompanhada de estimativa do impacto orçamentário e financeiro a ser causado nos três primeiros anos de vigência e também de medidas compensatórias. Outra exigência da LRF é a demonstração de que a renúncia não compromete metas fiscais. Segundo o Ministério da Fazenda, porém, a manutenção do benefício vetado geraria riscos fiscais.

A perda de receita foi também a justificativa do Ministério das Comunicações para pedir o veto de parte do artigo 3º. Foi vetado o parágrafo 1º do artigo, segundo o qual as atividades de medição, leitura e entrega de contas e outros documentos relacionados à prestação dos serviços de saneamento básico "não constituem serviço postal". A sanção de tal dispositivo implicaria para os Correios perda de, pelo menos, R$ 56 milhões por ano, montante que a estatal fatura com os atuais contratos de leitura e entrega com as concessionárias de água e esgoto. O ministério argumentou que seria aberto precedente para rompimento de contratos também por parte de concessionárias de energia, gás e telefone.

Com a mesma preocupação, ou seja, defender-se dos impactos orçamentários da lei aprovada pelo Congresso, a governo vetou também, a pedido do Ministério dos Transportes, o parágrafo 2º do artigo 3º. O dispositivo, se sancionado, proibiria o poder público de cobrar das concessionárias tarifa ou taxa pela utilização do solo ou do subsolo de faixas de domínio de rodovias e de logradouros públicos, para instalação de dutos ou equipamentos necessários ao funcionamento das redes de água e esgoto. O ministério argumentou que tal cobrança favorece a modicidade das tarifas de pedágio.

Outro veto atingiu o artigo 56, que permitia ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) investir em Fundos de Investimento e Participações, na aquisição de cotas de Fundos de Direitos Creditórios, em outros fundos criados para investimento em saneamento e infra-estrutura e ainda em ações e debêntures de emitidas pelas companhias de água e esgoto.

Segundo o ministro das Cidades, Márcio Fortes, o governo prefere que o FGTS invista num fundo específico de infra-estrutura, inicialmente de R$ 5 bilhões, a ser criado por medida provisória no âmbito Plano de Aceleração de Crescimento (PAC). Desse total, 30% serão reservados para saneamento.

Na visão do ministro, os vetos não desfiguraram o projeto, cujo essência, estabelecer um marco regulatório, foi preservada. O mais importante para destravar investimentos do setor, segundo ele, são itens como a exigência de fiscalização dos serviços por agências reguladoras com autonomia e a garantia de indenização das companhias, sejam estaduais ou privadas, em caso de retomada dos serviços pelos municípios titulares dos serviços.

Segundo o especialista em saneamento Frederico Turolla, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), já era esperado o veto da isenção de PIS e Cofins para investimentos das empresas de saneamento. "Isso, no entanto, é uma política social às avessas, porque o governo ao mesmo tempo que tem programas de transferência de renda, tributa demais o setor e impede os investimentos em locais pobres", diz.

Os outros vetos, no entanto, causaram surpresa. Segundo ele, pelo menos mais três são prejudiciais às empresas: o veto ao artigo que permitia o FGTS investir diretamente ou por meio de fundos no setor; à instalação de infra-estrutura de saneamento em faixas de domínio de rodovias e lugares públicos sem taxação; e à desobrigação das empresas utilizarem os serviços dos Correios para a entrega de contas, medição e leitura.

Confirmou-se a expectativa já declarada pela Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesb) de que fosse vetado o artigo que permitia ser o serviço de saneamento função pública de interesse comum mediante lei complementar estadual. Quem encaminhou o pedido de veto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o deputado Rodrigo Maia (PFL-RJ), alegando prejuízo dos municípios de São Paulo e Rio de Janeiro na discussão pelo direito à titularidade. Isso porque a Constituição determina que serviços públicos de interesse comum são responsabilidade dos Estados. (Colaborou Samantha Maia)