Título: Gasto público aumenta 88,8% acima da inflação desde 1995
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2007, Brasil, p. A3

Como presidentes, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva foram pródigos em aumentar as despesas públicas. A competição para ver quem gastou mais nos últimos 12 anos termina de certo modo empatada. No primeiro mandato do petista, as despesas não-financeiras (que não incluem pagamento de juros) do governo federal cresceram a uma média anual de 5,8% acima da inflação, um ritmo superior aos 5,2% da segunda administração do tucano, mas inferior aos 7,4% da primeira, mostram números do economista Raul Velloso. De 1995 a 2006, essas despesas subiram 88,8% em termos reais.

No caso do primeiro mandato de FHC, a conta não inclui a variação dos gastos em 1995 em relação a 1994, ano em que houve hiperinflação no primeiro semestre e mudança de moeda. "O resultado fica muito distorcido por causa desses fatores", afirma Velloso.

Ele vê com reservas a política fiscal dos dois presidentes, que levaram ao aumento significativo de gastos correntes (aposentadorias, pessoal, custeio da máquina, programas como o Bolsa Família), à elevação da carga tributária e à contenção do investimento. Para ele, não é possível dizer quem foi melhor ou pior do ponto de vista das contas públicas.

Velloso ressalva que, apesar do saldo final ruim, tanto FHC quanto Lula tomaram algumas medidas importantes na área fiscal, como a instituição da idade mínima para a aposentadoria do setor público, adotada pelo tucano, e a cobrança da contribuição previdenciária dos servidores inativos, promovida pelo petista. Atos relevantes, mas com impacto de longo prazo. Os gastos não-financeiros aumentaram de 14,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 1999 para estimados 19,7% do PIB em 2006.

Nos últimos 12 anos, o que mais chama a atenção é o aumento dos gastos com benefícios previdenciários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No governo Lula, eles cresceram 8,9% ao ano, em média, acima da variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), percentual idêntico ao do primeiro mandato de FHC, mas superior aos 5,7% do segundo governo do tucano.

Quando se analisam os gastos com aposentadorias como proporção do PIB, é possível notar uma aceleração forte no governo Lula. Isso se deve, lembra Velloso, aos reajustes expressivos concedidos pelo petista ao salário mínimo, que corrige dois terços dos 24 milhões de benefícios do INSS.

Nos oito anos de FHC, as despesas previdenciárias aumentaram 1,4 ponto percentual do PIB, de 5% para 6,4% do PIB. Lula levou quatro anos para elevá-las em 1,6 ponto - em 2006, Velloso estima que os gastos do INSS consumiram o correspondente a 8% do PIB. Como os resultados do ano fechado ainda não foram divulgados, ele estimou os números de 2006 com base na premissa de que o governo federal teve um superávit primário (a economia para pagar juros) de 2,4% do PIB e nas projeções do relatório de execução orçamentária do quinto bimestre. A meta de 4,25% do PIB é para o setor público consolidado, que inclui Estados, municípios e estatais.

No primeiro mandato, FHC controlou com mão de ferro os gastos com pessoal, que recuaram em média 0,07% ao ano, descontada a inflação. Em 1996, essas despesas caíram 2,3% em termos reais e em 1997, 5,3%. Em 1998, porém, houve aumento de 7,4%.

Velloso diz que Fernando Henrique segurou especialmente os salários dos funcionários civis do Executivo. No segundo mandato do tucano, a expansão de gastos com pessoal foi mais homogênea, com uma média anual de 5,1%.

Os gastos com pessoal despencaram 8,2% em termos reais no primeiro ano de mandato de Lula, basicamente por conta da ajuda da inflação. Com a manutenção dos salários nominais em 2003, a inflação, que chegou a atingir 17% no acumulado em 12 meses até maio daquele ano, corroeu o valor real.

Esse resultado puxa para baixo a média de aumento real de gastos no primeiro mandato de Lula para 2,1%. Em 2006, com os reajustes concedidos a diversas categorias, as despesas com pessoal devem ter subido 9,6% acima da inflação. Se FHC segurou mais as despesas com os funcionários civis do Executivo, Lula foi mais severo com os vencimentos dos militares, diz Velloso.

Outro grupo importante de despesas é o de investimento e outros gastos correntes (onde estão os gastos de custeio da máquina e programas como o Bolsa Família). Segundo Velloso, essa é a variável de ajuste nas contas públicas, porque aí se concentram as despesas sobre as quais o governo tem de fato controle - embora parte delas também seja obrigatória, como com saúde e educação. "Nos anos em que é necessário fazer um aperto mais forte, o investimento é que sofre mais."

De 1996 para cá, as despesas não-financeiras só caíram em termos reais em 1999 (queda de 1,2%) e em 2003 (recuo de 2,5%). Não por coincidência, os anos de menor investimento - 0,38% do PIB em 1999 e 0,42% do PIB em 2003.

A análise das contas públicas nos últimos 12 anos mostra que FHC investiu mais do que Lula. No primeiro mandato do tucano, a média ficou em 0,57% do PIB por ano, número que subiu para 0,82% do PIB no segundo. No governo Lula, a média estimada foi de 0,54% do PIB. O aumento dos gastos correntes reduz o espaço para investimento, diz Velloso. Em 2006, ano eleitoral, o petista acelerou os investimentos, gastando o equivalente a 0,74% do PIB, segundo a organização não-governamental Contas Abertas.

O ex-diretor do Banco Central (BC) Alexandre Schwartsman, economista-chefe do ABN Amro para a América Latina, diz que a política fiscal do segundo mandato de FHC e a do primeiro de Lula são de fato muito parecidas. Os superávits primários foram obtidos com o expediente de aumento simultâneo de gastos e receitas e contenção de investimento. Ele nota, porém, que há uma diferença grande em relação ao que ocorreu nos primeiros quatro anos do tucano. No período, o resultado primário do governo foi fraco, chegando a mostrar déficit em 1997, de 0,3% do PIB.

O consultor Amir Khair ressalta que Lula termina seu primeiro mandato com um resultado nominal (que inclui os gastos com juros) bem melhor do que nos dois mandatos de FHC. Enquanto o déficit nos oito anos de governo tucano ficou na média em 7,1% do PIB por ano, o petista conseguiu reduzir o rombo para 3,5%.

"A qualidade do gasto público também foi melhor no governo Lula", afirma ele, por considerar que o petista deu prioridade a despesas que levam à redistribuição de renda, como o Bolsa Família e aumentos do salário mínimo.

Velloso vê com reservas medidas como os reajustes elevados do salário mínimo. Como eles têm impacto nas contas da Previdência, elevam os gastos correntes, diminuindo o espaço para o investimento. "Além disso, aumentar o salário mínimo não é a melhor maneira de reduzir a pobreza", diz, ponderando que quem recebe o piso não está entre os mais pobres.