Título: Efeitos da redução da Selic ainda são tímidos
Autor: Pinto , Lucinda
Fonte: Valor Econômico, 24/08/2012, Finanças, p. C3

Na próxima semana completa-se um ano da já famosa reunião de 31 agosto de 2011, quando o Banco Central iniciou o atual ciclo de corte de juros com uma redução de 0,5 da Selic, surpreendendo quase todo o mercado. O primeiro efeito esperado, de evitar uma depressão da economia brasileira em meio ao agravamento da crise na Europa foi atingido e o BC ganhou pontos de credibilidade por ter acertado em cheio no diagnóstico.

Até agora, no entanto, a aceleração da atividade não veio. O que se vê é uma resposta ainda tímida, restrita ao consumo. Para a indústria, a resposta é pouco efetiva e, quando existe, está mais relacionada a desonerações tributárias. No primeiro trimestre do ano, a economia brasileira cresceu 0,2% em relação aos últimos três meses de 2011. Nessa base de comparação, enquanto o consumo das famílias e do governo cresceu 2,5% e 3,4%, respectivamente, o investimento em máquinas e equipamentos caiu 2,1%. E a expectativa é que tenha apresentado expansão entre 0,4% e 0,5% no segundo trimestre, mesmo com o governo alardeando que o PIB reagiria.

Maurício Molan, economista-chefe do Santander, pondera que o atual ciclo de queda de juros só se tornou de fato um afrouxamento no começo deste ano. Entre agosto e dezembro, o BC reduziu 1,5 ponto percentual, mas o juro real ainda se mantinha acima de 5%, próximo, portanto, da média dos últimos três anos. Somente em abril, o juro real veio para a casa dos 3%. "Houve uma defasagem maior para a resposta da política monetária, que só passou a ser expansionistas no começo deste ano", diz Molan.

Para o ex-diretor do BC e estrategista da Tandem Global Partners, Paulo Vieira da Cunha, o presidente do BC, Alexandre Tombini, tem razão ao prever um crescimento anualizado de 4% no quarto trimestre, mas teme uma desaceleração do PIB à frente. "Meu medo é que, quando isso acontecer, o governo resolver dar ainda mais estímulos."

Essa é uma das críticas mais fortes que decorreram da decisão de agosto de 2011, a de que o BC passou a priorizar o crescimento em detrimento de um controle estrito da inflação. A avaliação é de que o BC passou a trabalhar com um objetivo de inflação mais ousado, perto de 6%. "É uma mudança não assumida, mas percebida, de que o limite para a inflação passou a ser 6%", diz Vieira da Cunha.

"Estamos diante de um Banco Central que não está disposto a sacrificar crescimento desde que você tenha inflação dentro das bandas. Foi isso o que aprendemos ao longo de todos esses meses", afirma Marcelo Salomon, economista-chefe para o Brasil do Barclays.

Salomon projeta inflação de 5% em 2012 e de 5,9% em 2013. "Então, não é um cenário de convergência de volta para as metas, mas é um cenário em que o BC não está disposto a sacrificar crescimento - mantendo a possibilidade de promover uma retomada mais incisiva o mais rápido possível - desde que você não comprometa o teto da meta porque o mundo ainda está muito incerto", afirma.

Alexandre Schwartsman, ex-diretor de assuntos internacionais do BC acredita que o objetivo de inflação de até 6,5%. E isso explica o fato de as projeções estarem tão distantes do centro da meta, de 4,5% - as projeções para o IPCA se situam em 5,12% para este ano e em 5,5% para 2013.

Mesmo com a maior leniência com os preços, os benefícios da queda dos juros não foram percebidos claramente na atividade por causa de um diagnóstico errado, acredita Schwartsman. "A economia não está indo bem porque o BC tenta adotar a mesma receita de 2008 agora, sendo que as condições são completamente diferentes", afirma.

Schwartsman diz que, há quatro anos, a economia tinha um grau de ociosidade importante, tanto no emprego quanto na produção e no crédito, que explica a resposta rápida obtida com as medidas de estímulo adotadas naquele momento. "Agora, com o país em pleno emprego, o conjunto de política econômica parece não funcionar."

O economista Winston Fritsch, um dos integrantes do time que criou o Plano Real (1993-1994), não vê o BC mirando o ritmo de atividade da economia em detrimento do nível geral de preços. Para ele, o Copom "ganhou" do mercado ao notar antes dos agentes econômicos uma oportunidade única de reduzir a taxa básica de juro da economia brasileira, e estabelecer um novo padrão. "Eu acho que o BC não abandonou a meta de inflação. O impacto de contração da atividade foi muito rápido. Um choque de esfriamento que criou espaço para reduzir os juros sem contrapor a meta."

Fritsch pondera, no entanto, que a condição propícia à flexibilização do juro não é eterna e o ritmo de corte da taxa Selic, que foi reduzida até agora em 4,5 pontos percentuais, 8% ao ano, tende a ficar mais contido nos próximos meses. "Chegamos a um ponto para testar e ver o que acontece. Ninguém pode dizer que o BC está fora da meta."

A expectativa para a próxima reunião do Copom, que ocorre na semana que vem, é de novo corte de 0,5 ponto, seguida por nova redução em outubro, talvez de menor magnitude, especula o mercado. A partir daí, os especialistas se dividem entre uma estabilidade ao longo de 2013 ou uma leve alta dos juros. Todos estão de olho no atual repique inflacionário, fruto da alta dos preços das commodities (especialmente alimentos) no exterior e no aquecimento da economia doméstica.

De toda forma, há um novo equilíbrio macroeconômico defendido pelo BC: juro real baixo com câmbio depreciado. Para que isso se torne uma mudança estrutural, é necessário que se mantenha o atual rigor fiscal, além de depender ainda do desempenho da economia internacional, avalia David Beker, chefe de economia e estratégia do Bank of America Merrill Lynch para o Brasil.

"O mix da política monetária de fato mudou e a depreciação da moeda brasileira é permanente. Mas a âncora desse novo modelo é a manutenção de um rigor fiscal razoável", diz Beker.

Mesmo com o alívio provocado pela queda do juro básico no perfil da dívida pública brasileira, as estimativas para o superávit primário estão menores do que o resultado consolidado no ano passado. As projeções indicam 2,8% para este ano e para 2013. Em 2011, o superávit primário foi de 3,11%.

No ambiente externo, Beker acredita que o cenário de baixo crescimento e juros próximos de zero se manterá por dois ou três anos, o que deve permitir que se mantenha a taxa de juro real brasileira em patamares historicamente baixos. "Ainda é cedo para dizer se a mudança no patamar da Selic é estrutural, mas mesmo que seja apenas conjuntural não necessariamente será de curto prazo".

Passado um ano das turbulências entre o mercado e o BC, os especialistas hoje já se acostumaram com a nova função de reação da autoridade monetária e sabem ler melhor os sinais dessa nova autoridade monetária. Antes, o BC não reduziria os juros quando a projeção de inflação se mostrava acima da meta. Hoje, a expectativa está acima de 5% e o BC continua cortando a Selic, lembra Molan, do Santander.

Outra mudança está no câmbio. Analistas que antes olhavam os fundamentos econômico como o preço das commodities e o movimento do dólar no mercado externo para estimar o valor da moeda americana no Brasil, estão mais atentos agora aos discursos do governo, seja via Ministério da Fazenda, seja via BC.

Mas condições para o processo de ajuste das taxas de juros para padrões internacionais não estão dadas, na opinião de Vieira da Cunha, uma vez que o peso do governo no sistema financeiro só faz crescer e o ajuste fiscal está focado na arrecadação, e não no gasto. E isso ajuda a explicar o resultado prático ainda limitado dessa medida. "Por enquanto, estamos pagando para ver."