Título: Horizontes abertos
Autor: Corrêa, Maurício
Fonte: Correio Braziliense, 07/11/2010, Opinião, p. 21

O povo brasileiro elegeu uma mulher para a Presidência da República. Vai ficar no poder durante os próximos quatro anos e ainda poderá se reeleger para outros quatro. Garantido o mandado conquistado, é prematuro fazer incursões sobre o que poderá vir depois. É arriscado em política deixar singrar as velas sem antes se prevenir sobre a altura das ondas. Sabe-se que é preciso, primeiramente, domar as manhas dos adversários encontráveis pelo caminho e, ainda, de sobra, esperar pela sorte do imponderável. Mas, como essa é uma questão mais de futurologia do que de análise imediata, é bom deixar que a poeira assente na estrada, para que os analistas políticos possam construir hipóteses.

Acerca da vitória de uma mulher como presidente do país, é a primeira vez que o fato acontece desde a Proclamação da República. Durante o Segundo Reinado, a princesa Isabel, como regente do Império, assumiu o poder por três vezes. Em uma delas, em 13 de maio de 1888, quando o pai, o imperador D. Pedro II, se achava em viagem no exterior, assinou a Lei Áurea, norma que pôs termo à escravidão no Brasil, malgrado ter sido um dos últimos países do mundo a extirpar o opróbrio. As circunstâncias daqueles tempos e as de hoje são inteiramente distintas. De lá para cá o Império deixou de existir e em seu lugar se instalou a República. Esta, segundo feições cíclicas do país e do mundo, tomou o formato que hoje ostenta de República Federativa.

A vitória da presidente eleita não tem paralelo na história do Brasil. É de fato a primeira vez que uma mulher se elege presidente pelo voto direto do povo. O maior mérito do sucesso eleitoral está na forma democrática com que se realizou a escolha, como, aliás, ordena a Constituição. Nada se pode dizer, por exemplo, das urnas eletrônicas, cuja eficiência e segurança se acham comprovadas. Não só as apurações se fizeram com rapidez inusitada, como também o sistema não apresentou nenhum comprometimento em sua eficácia. Pouco importa se foram os estados a partir de Minas, do Norte ou do Nordeste que lhe deram mais sufrágios para a vitória. Os votos têm o mesmo peso, pouco importando se são originários de uma ou de outra parte do território nacional. Se, de seu lado, a vitória trouxe alegria à eleita e a seus mais diretos auxiliares, por outro lhe impõe severas responsabilidades sobre o cumprimento das promessas feitas em campanha.

Serenados os ânimos após a constatação dos resultados eleitorais, cumpre aguardar como se desenvolverão as ações da presidente. Não é de esperar a catastrófica gestão dos prenúncios pessimistas do candidato presidencial peessedebista derrotado. Os primeiros tons do discurso, ao contrário, permitem vislumbrar esperanças do que vai fazer no exercício do cargo. São afirmações que tranquilizam os meios produtivos, em todo o seu complexo, sobretudo pela ênfase dada à questão cambial e a propostas legislativas que venham mexer com a vida econômica do país. Acalmado o setor com as diretrizes esboçadas, subentende-se das demais assertivas expendidas na ocasião que outros temas de interesse nacional imediatos devem também merecer tratamento similar. A torcida é para que os petistas radicais, cujos exemplos de comportamento exacerbado se conhecem, não façam parte da estrutura administrativa do governo. É preciso ter cautela para que não se assenhoreiem de cargos da administração, para que não causem frustrações ao povo sobre o que a presidente sinaliza empreender.

O modo de expressar-se da eleita diante dos assuntos mais relevantes da vida nacional gerou boa impressão. Talvez o que mais tenha agradado à nação tenha sido a afirmação de que pretende trabalhar intensamente na Presidência. É disso que o Brasil precisa. Não é crível que, pelo menos por ora, se proponha, como querem alguns setores políticos, a redução da carga horária de trabalho. Um país que necessita crescer não pode se dar ao luxo de querer menos tempo de trabalho. Melhores salários para todos ou salário mínimo mais alto e justo, como se pretende, tudo bem. Mas, menos trabalho, não se justifica. O Brasil se prepara para dois eventos da maior importância nacional e internacional. O primeiro é o da realização no país da Copa do Mundo de 2014 e o outro é o das Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro. Os dois empreendimentos vão exigir bilhões de investimentos em recursos financeiros e proporcionar milhares de postos de trabalho para os brasileiros. Seria um contrassenso falar agora em menos horas de trabalho.

As eleições deste ano se notabilizaram pela existência da Lei da Ficha Limpa. A norma é altamente salutar porque ajudou e ainda ajuda a extirpar da vida política nacional os que a conspurcam. A sociedade quer distância de políticos desonestos. O recomendável seria que ninguém pudesse tomar posse nos cargos de confiança, que são os de livre nomeação do governo, sem que antes apresentassem atestado de folha corrida. Assim, corre-se menos risco de empossar quem tenha passado sujo e venha manchar o cargo a ocupar. É preciso dar à presidente pelo menos o benefício da dúvida. Sem que inicie efetivamente as atividades no cargo, seria ato demolitório dizer que não vai dar certo. É prudente lhe dar tempo para saber se a nação acertou ou não com a escolha. Nada mais justo do que um pouco de tempo para avaliar.