Título: Armadilhas para investidores
Autor: Luquet, Mara
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2006, EU & Investimentos, p. D1

Uma velha praga que assola o sistema financeiro começa a dar os primeiros sinais de esgotamento: as metas de vendas para os gerentes. Pelo menos dois grandes bancos varejistas, entre eles um estrangeiro, já estão com esse problema no radar. Um avanço e tanto, uma vez que este sempre foi um problema para clientes e bancários, mas nunca para banqueiros. Um terceiro banco, a Caixa Econômica Federal (CEF), implementou sem alarde a primeira grande mudança nesta seara no segundo trimestre de 2003 e, desde então, consolida a nova abordagem nas agências.

Não é um assunto que os bancos gostam de falar. "Nós adotamos a nova metodologia de avaliação, e num primeiro momento, as vendas nas agências desabaram", diz João Carlos Garcia, vice-presidente da Caixa. O ponto de inflexão só foi ocorrer no final de 2003 e hoje o índice de produtos da Caixa por cliente é o dobro do que era antes de o modelo ser implantado.

Garcia lembra do horror que foram os primeiros meses. As vendas despencavam dia-a-dia e ele teve que correr todo o país motivando equipes. "Se o modelo novo não se firmasse rapidamente, voltaria o anterior ainda com mais força", diz ele. Ocorre que, num primeiro momento, os times de cada agência enxergaram o novo modelo como ausência de metas, o que definitivamente não é o caso. "Se não tiver metas você compromete o resultado", diz Renato Antônio Romeo, sócio da SaleSolution, empresa especializada em treinar times de vendas que começa a receber solicitação por parte dos bancos.

As metas, como diz Romeo, não vão desaparecer. Mas alguns dirigentes de grandes bancos começam a refletir sobre a eficiência dessa abordagem num mercado que cada vez mais se pauta pela transparência, responsabilidade social e, claro, concorrência. A palavra de ordem nos bancos hoje é relacionamento. Criar laços duradouros com a clientela é o objetivo e, nesse aspecto, as metas impostas aos gerentes da forma como são feitas hoje causam incômodos.

"Os produtos financeiros são commodities, estão na prateleira de qualquer agência com pouca diferenciação entre eles, o que vai pesar é o relacionamento", diz Romeo. O jargão hoje no mercado financeiro é meta de "solução". "Eles mudaram o nome de produto para solução, mas na prática funciona da mesma forma, o que tem de mudar é a cultura", diz. Segundo Romeo, é o próprio cliente que tem que enxergar que você tem a solução para os problemas dele. "Se você aproveita o momento em que é procurado para empurrar produtos que o cliente não necessita, isso vai cada vez mais desagradá-lo", diz. A forma como os produtos são historicamente vendidos nas agências estraga completamente os planos de longo prazo do banco. "O cliente se sente agredido quando vai para casa cheio de produtos que servem apenas para ajudar o gerente a bater metas."

"É cruel", diz Garcia, há 23 anos na Caixa, boa parte deles em agências. Ele sabe do que está falando. Segundo ele, o modelo antigo consegue fazer com que as metas de vendas sejam alcançadas. "Mas ao custo de uma equipe estraçalhada emocional, psicológica e fisicamente", diz.

Mas o que tem feito os gestores dos bancos refletirem é que o modelo está falhando naquela que é, atualmente, a principal meta dos bancos: criar relacionamentos. É nesta onda que a enorme maioria dos bancos promoveu nos últimos anos uma completa arrumação de suas carteiras de clientes, fazendo uma segmentação da clientela.

A CEF também fez sua segmentação, a partir de 2001. "Mas, com o modelo antigo de metas, estávamos jogando o projeto de segmentação no lixo", diz Garcia. A principal falha em geral é, segundo ele, medir apenas a venda. "O modelo antigo premia a venda de um produto sem saber se ele agrega valor ao cliente", diz.

A nova metodologia de avaliação de metas da Caixa obriga que as agências trabalhem juntas como um time e não concorram umas com as outras. A diretoria define as metas do ano para o banco e leva ao conhecimento de toda a rede. São desenhados três cenários de conjuntura econômica que são enviados para a rede, que tem então três meses para avaliar e enviar de volta à diretoria o relatório dizendo como vai ajudar a atingir a meta geral. "É a rede quem define suas próprias metas em cada produto e para isso precisará conhecer bastante a sua clientela", diz Garcia. Assim, uma agência que tem uma carteira com muitos clientes com 60 anos ou mais, por exemplo, não poderá prometer metas muito ambiciosas nas vendas de planos de previdência.

Garcia explica que a metodologia de avaliação criada pela Caixa obriga que cada funcionário dê conta de seis dimensões: rentabilidade da agência, gestão de captação, gestão do atendimento, gestão de pessoas, gestão de relacionamento com o cliente e gestão do crédito. "A meta dentro desse contexto é uma bússola, mas os objetivos são maiores do que a meta", diz Garcia. "É claro que você também vai encontrar gerentes que têm que cumprir metas, mas o produto que for oferecido tem que agregar valor ao cliente", acrescenta.

No tópico rentabilidade, por exemplo, os funcionários são agora treinados para prestar atenção também ao custo da agência. E, na gestão de atendimento, periodicamente são feitas pesquisas com clientes. Não adianta empurrar produtos, pois a insatisfação será detectada, o que tira pontos na avaliação das metas. Outro ponto que Garcia ressalta é a divisão de produtos, que passou a realçar o que ele chama de "missão" da Caixa. Assim, produtos de habitação são chamados de acesso à moradia e o crédito à pessoa física, de emprego, renda e consumo.