Título: Cresce a procura por certificação em TI
Autor: Rubin, Rachel
Fonte: Valor Econômico, 09/10/2006, EU & Investimentos, p. D6

O principal responsável por um projeto milionário de governança da área de tecnologia da informação (TI) na Porto Seguro, terceira maior seguradora do país, segundo o ranking "Valor 1000", tem apenas 29 anos de idade. "Estou redesenhando processos e participando diretamente de estratégias determinantes para os rumos da empresa", conta Adriano Martins, o encarregado da missão. O valor do investimento no projeto é confidencial, mas é possível ter idéia de sua magnitude: são pelo menos 150 pessoas envolvidas no trabalho de melhoria dos serviços internos, que deve ser concluído em cinco anos. Até 2005, Martins gerenciava projetos bem menores, pontuais.

Provavelmente ele não imaginava que uma certificação em ITIL (do inglês IT Infrastructure Library, ou Biblioteca de Infra-estrutura de TI), um conjunto de melhores práticas em TI, o impulsionaria ao cargo que ocupa hoje, de "quality assurance", responsável pela qualidade dos serviços de tecnologia de toda a seguradora.

A onda do ITIL, que no Brasil ganhou força em 2003 com a vinda de empresas globais de treinamento e promete ser duradoura. Quem dominar o assunto como Adriano deve levar a melhor. Até 2010, os investimentos globais em TI com produtos e projetos para adoção do ITIL chegarão a US$ 20 bilhões, segundo o instituto de pesquisas Forrester Research. E, no Brasil, segundo pesquisa do itSMF (IT Service Management Forum, órgão sem fins lucrativos que discute o tema ITIL) em conjunto com o jornal "Computerworld", quase 70% das empresas pesquisadas dizem já usar a biblioteca como referência em seus processos.

"Se hoje ter experiência com ITIL ainda é um diferencial, em breve já não o será: de um lado a demanda por profissionais de tecnologia aumentará, mas do outro o nível de exigência do contratante também crescerá", alerta Armando Dal Coletto, diretor da Fasp (Faculdades Associadas de São Paulo), que oferece um MBA em gestão de serviços incluindo as disciplinas do ITIL. "As empresas estão percebendo que é mais fácil buscar gente mais bem preparada do que reciclar alguém desatualizado."

Depois do desgaste causado por investimentos precipitados na euforia pontocom, as corporações só aprovam projetos de tecnologia que apresentem garantia de retorno sobre o investimento. Essa garantia tem como base justamente a qualidade nos serviços que a equipe de TI presta aos usuários. "O profissional de TI precisa conhecer profundamente o negócio da empresa em que trabalha para propor soluções que realmente atendam às necessidades dos usuários e tragam competitividade", diz Ariane Israel, consultora de recolocação para o mercado de tecnologia da Case Consulting.

Ter experiência com essa biblioteca de melhores práticas é ainda mais bem visto do que só ser certificado. É como saber a forma de implementar algo que já foi testado e aprovado, não precisando reinventar a roda, apesar das peculiaridades de cada empresa. "O profissional que domina ITIL conquista uma visibilidade enorme na empresa pois, ao lidar com processos, acaba conhecendo colegas, de todos os níveis hierárquicos", ressalta Ariane, que diz sentir muita dificuldade para encontrar profissionais de TI com essa vivência.

A moral da história, segundo os defensores do ITIL: quem trabalha com TI não pode mais se limitar ao conhecimento técnico se quiser sobreviver no mercado de trabalho. "Fazer, além dos cursos habituais de atualização em tecnologia, uma pós-graduação nas áreas de administração, gestão e marketing aliada a um treinamento em ITIL, é um bom caminho para ser bem sucedido", receita a especialista em recrutamento.

Martins, da Porto Seguro, ostenta no currículo, além da certificação em fundamentos do ITIL, uma do PMI (Project Management Institute, certificação voltada a gerenciamento de projetos) e está fazendo MBA em gestão empresarial na FGV (Fundação Getúlio Vargas). Inicialmente ele pensou em fazer MBA em TI, mas mudou de idéia depois que o projeto com ITIL o fez dar maior importância à visão do todo, das áreas de negócios.

A faixa etária média dos alunos que participam de um treinamento em ITIL vai de 30 a 40 anos, a maioria ocupa cargos gerenciais nas empresas, segundo Milena Andrade, "country manager" da consultoria Quint- a primeira empresa a oferecer treinamento na biblioteca de melhores práticas de processos no Brasil. No universo do ITIL, há três tipos de certificação (veja matéria abaixo). Só pela Quint, foram 3,5 mil pessoas certificadas no primeiro nível (foundation) cita Milena. A certificação mais avançada, a master, ainda é raridade por aqui: segundo a executiva, existem no país pouco mais do 50 profissionais com ela.

Um deles é Elber Ambrust Ribeiro, consultor de ITIL em uma grande fornecedora de produtos e serviços de tecnologia da informação e telecomunicações. Imediatamente após ter obtido o master, resultado de uma prova dura com dois dias de duração e questões dissertativas em inglês, Ribeiro - de apenas 28 anos- recebeu a proposta para ir trabalhar na empresa em que está hoje. O novo cargo representou um aumento de 30% no salário anterior. Com 35 funcionários sob seu comando, Ribeiro é rígido: quer que todos tenham conhecimentos de ITIL para garantir o sucesso dos processos dentro do próprio departamento. "É preciso falar uma só língua quando se trata de serviços", justifica.

Treinamento em massa em ITIL também é a ordem do dia na Siemens. Mais de 150 funcionários, no Brasil e em outros países da América Latina, já foram catequizados sobre as melhores práticas contidas na biblioteca de ITIl, com a orientação do engenheiro Hélio Mazzei Júnior, gestor de tecnologias da informação e comunicação da empresa. Júnior começou a estudar o assunto por conta própria e, logo depois de aprender os fundamentos, foi convidado a deixar a área de suporte para começar a orientar os processos internos. "Construí processos que não existiam", relembra.

Um desses processos, voltado ao centro de monitoração de incidentes da Siemens, foi aceito pela corporação rapidamente. Não demorou para que Júnior, que ganhou grande visibilidade, fosse convidado a desenvolver treinamentos em diversas regionais da Siemens. A meta da empresa é treinar 350 pessoas, habituando-as aos princípios das melhores práticas.

Outros fatores importantes relacionados a governança corporativa que impulsionam essa demanda de ITIL pelas empresas são as exigências de normas como Basiléia II e Sarbanes-Oxley, que requerem um alto grau de transparência nas informações empresariais, e o ISO 20000, novo padrão mundial para gerenciamento de serviços, publicado em dezembro do ano passado. Com esse selo de qualidade é conferida a garantia de que os serviços de TI da companhia são maduros e estáveis. E as melhores práticas da ISO 20000 foram baseadas na biblioteca ITIL. "É importante para quem quiser exportar serviços ter profissionais preparados", diz André Jacobucci, sócio-diretor da Ilumna Consultoria, que faz consultoria e treinamento em ITIL.

De olho no ISO 20000, que pretende conquistar em 2007, a Serasa, uma das maiores empresas do mundo em análises para decisões de crédito, foi uma das pioneiras no Brasil a adotar ITIL, no fim de 2004. "Precisávamos melhorar o atendimento no pós-venda, processo que depende de excelência na qualidade da informação", conta Dorival Dourado, diretor de operações de telemática.

Desde então, a empresa já treinou 250 pessoas em ITIL. O objetivo é familiarizar 400 funcionários aos princípios das melhores práticas. Investimentos em capacitação e aprendizagem, incluindo em ITIL, representam 4% do faturamento da Serasa.

"Ter ITIL no currículo já é pré-requisito para novas contratações aqui", diz Dourado. Para ele, ao ter uma noção maior das melhores práticas em serviços de TI, os funcionários passaram a assumir a liderança de projetos naturalmente. Melhorias como essa, espera, podem incrementar os resultados financeiros da companhia, pois além de os custos serem reduzidos com a eliminação de retrabalhos e tarefas improdutivas, há maior eficiência operacional.

Depois da fase de aprendizagem com desenho de processos e domínio de tecnologias, aí sim, vem aquele que é talvez o maior desafio: lidar com as pessoas. Ao criar ou redesenhar processos, acaba-se alterando a forma como as pessoas trabalham. Várias, obviamente, resistem, e quanto maior o escopo do projeto, mais gente o gestor tem para convencer. "Mudar aspectos culturais é o mais difícil, e também o mais interessante", revela Martins, da Porto Seguro. Sinal de que, além de habilidades técnicas e de negócios, quem quiser se destacar no mundo da TI precisa ter muito jogo de cintura.