Título: Brasil acabará com TEC dupla de Uruguai e Paraguai
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2007, Brasil, p. A5

O governo brasileiro pretende eliminar o imposto de exportação cobrado de produtos estrangeiros que cheguem ao país pela fronteira do Paraguai ou do Uruguai, informou ao Valor o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim. "Essa medida está resolvida politicamente: o que estudamos é como instrumentaliza-la no Mercosul", disse Amorim, que pretende, com a decisão, "antecipar" unilateralmente, só para os sócios menores, uma velha ambição no Mercosul: o fim da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) para produtos importados pelo bloco.

Teoricamente, em uma união aduaneira, como pretende ser o Mercosul, um produto importado pagaria a tarifa externa comum ao ingressar em qualquer dos países do bloco, e, depois disso, poderia passar de um país ao outro livremente, sem pagar imposto de importação novamente - como acontece entre mercadorias que circulam entre os Estados de um país. No Mercosul, porém, as imperfeições da união aduaneira, com diversas exceções à TEC e regimes especiais de importação, obrigam qualquer produto estrangeiro, ao passar na alfândega de um país sócio do bloco ao outro, a pagar novamente a TEC.

O que o Itamaraty pretende, e, segundo Amorim, já se tornou decisão de governo, é determinar um certificado especial que permitirá aos produtos importados entrarem sem pagar a TEC no Brasil, caso tenham ingressado no Cone Sul e já tenham pago a tarifa ao Uruguai ou ao Paraguai. A medida, para se tornar efetiva, necessita ainda de estudos da Receita Federal, para verificar a forma legal de fazê-lo. Técnicos do governo acreditam que será necessária uma lei, já que se está falando de renúncia fiscal. Não há cálculos precisos, mas as autoridades ligadas à arrecadação aduaneira afirmam ser desprezível a fatia da arrecadação que será afetada com a decisão.

A medida beneficiará principalmente produtos uruguaios ou paraguaios que usam, em sua composição, grande quantidade de componentes e matérias-primas estrangeiras, que não mais seriam tributadas duplamente, ao contrário do que acontece hoje. O Uruguai - onde cresce a insatisfação com os resultados do Mercosul - é o país que mais tem se empenhado nas reuniões do bloco em avançar com a agenda de eliminação da dupla cobrança da TEC.

O Paraguai, porém, tem resistido, por medo de perder a arrecadação com a tarifa de importação, que, segundo estimativas do governo local, representa cerca de 18% do total da receita tributária do país. Com a decisão de cancelar a dupla cobrança unilateralmente, o Brasil passa a beneficiar produtos ingressados no mercado brasileiro através dos sócios menores, mas mantém inalterado o sistema de cobrança no Uruguai e Paraguai para produtos importados que vão para lá a partir do Brasil. Celso Amorim acredita que, dessa forma, o Brasil elimina parte importante dos inconvenientes da dupla cobrança, enquanto negocia seus aspectos mais delicados em relação aos vizinhos.

O fim da dupla cobrança da TEC é uma das discussões mais importantes no Mercosul e é uma exigência da União Européia na negociação de um acordo de livre comércio entre os dois blocos. Antes do impasse que paralisou as negociações, os europeus apontavam como ponto essencial para assinatura de um acordo a garantia de que, uma vez atravessada a fronteira de qualquer dos países do Mercosul, não mais seria cobrado o imposto de importação no trânsito entre um país e outro.

As mudanças nessa área são difíceis e lentas, porém. Em 2004, após intenso debate, pressões e vacilações da delegação paraguaia, os quatro países conseguiram decretar um primeiro passo: ganhariam um certificado especial e seriam liberados da tramitação alfandegária dupla os produtos importados para os quais a tarifa praticada nos quatro países já é zero. Assim, seriam beneficiados os produtos com TEC igual a zero e aqueles beneficiados com isenção da TEC nos acordos de livre comércio com países andinos.

A demora nos acordos com os andinos e a mudança nas classificações alfandegárias dos produtos do Mercosul (uma nova classificação, modernizada, começou a vigorar em 2007) fizeram com que essa medida, prevista para o ano passado, só vá começar a valer a partir de 2007.

Para garantir o fim geral da dupla cobrança no Mercosul, os quatro países têm tentado avançar com um programa de interligação dos sistemas de alfândega. A criação de um Fundo de Compensação estrutural para financiar programas no Paraguai e Uruguai, com recursos do Brasil e, em menor proporção, da Argentina, é visto, no governo brasileiro, como um passo adicional para compensar os países menores pela eventual perda de receitas provocada pelo fim da dupla cobrança da TEC.