Título: Uma nova agenda
Autor: Abramo, Claudio Weber
Fonte: Correio Braziliense, 07/11/2010, Opinião, p. 21

Conforme exaustivamente apontado por observadores, a campanha presidencial de 2010 caracterizou-se, no primeiro turno, pela ausência de programas substanciais apresentados pelos candidatos e pela falta de contraditório entre eles, no que se refere a qualquer assunto relevante.

No segundo turno, o nível do confronto despencou ao plano inédito, na história brasileira recente, das declarações de religiosidade por parte dos candidatos. Compromissos foram assumidos com representantes de seitas religiosas diversas, configurando brutal retrocesso civilizatório que nos morderá a todos no futuro.

No que tange a políticas públicas que os candidatos prometeram perseguir, o que se observou foi a inexistência de diferenças explícitas. Naturalmente, em sua posição como candidata da situação, Dilma Rousseff cacifou fortemente os programas sociais do governo Lula. Seu adversário, José Serra, insistiu nos mesmos programas sociais.

O pseudodebate, assim caracterizado, escondeu uma característica comum de Dilma e Serra, e que muito os diferenciam de Lula: ambos são desenvolvimentistas, ou seja, enxergam no Estado um poderoso indutor do desenvolvimento.

Essa característica da Dilma Rousseff vencedora transpareceu claramente em seu discurso pós-vitória, em que o assunto foi abordado duas vezes. Dilma sabe que desenvolvimento econômico não se promove por políticas sociais compensatórias nem por exportação de commodities agrícolas e minerais.

Por isso, a agenda que ela perseguirá em seu governo deverá ser muito diferente da agenda do governo Lula. Só poderá fazer isso promovendo alterações profundas na forma e na substância com que a gestão pública é conduzida.

Um desafio permanente para uma agenda de desenvolvimento será administrar a concuspicência dos partidos aliados. Estes uniram-se ao bloco dilmista (como se unem a qualquer desfile que lhes passe pela frente) na expectativa de ganhar cargos na administração. O loteamento de postos entre os aliados, que no Brasil atinge proporções inauditas (são entre 50 e 60 mil cargos de livre provimento só na área federal, atingindo mais de uma centena de milhar no agregado dos estados e municípios), além de constituir verdadeira usina de corrupção, torna muito difícil, senão impossível, promover a modernização da máquina e a qualificação de seus quadros. Dilma, aliás, referiu-se também a isso em seu discurso de vitória, afirmando que vigiará os aliados de perto.

O que deverá marcar o governo Dilma será a formulação e a perseguição de um plano estratégico de desenvolvimento. Além da administração corriqueira de serviços, as ações de seu governo serão orientadas de acordo com tal agenda.

É interessante notar que os observadores, tanto na academia quanto na imprensa, têm sido lentos na identificação do caráter marcadamente desenvolvimentista das declarações pós-eleitorais de Dilma Rousseff. O motivo para isso é que, no Brasil, há cerca de 30 anos se instituiu espécie de consenso geral de que o papel do Estado no desenvolvimento deveria ser o mínimo possível, deixando-se ao setor privado tal responsabilidade.

Embora nenhum país central obedeça a semelhante cartilha, os observadores brasileiros nitidamente compraram a conversa. Já os países ricos planejam a sua economia 100% do tempo, incluindo-se aí a disseminação de ideias minimalistas para consumo da galera nos países emergentes.

No entanto, por tudo o que se sabe dela, Dilma não é de ficar sentada na cadeira à espera das decisões da mão invisível do mercado. Com isso não se pretende afirmar que ela promoverá intervenções de tipo rudimentar na economia, como tabelamento de preços ou estatização de indústrias. Dilma privatizará o que for ineficiente (resta pouco), manterá público o que for eficiente ou estratégico (como a Petrobras), e intervirá mais fortemente nos setores em que o Estado tem controle indireto (como a Vale).

Desenvolvimento se persegue pela ação do Estado na infraestrutura energética, logística e de telecomunicações, no estímulo a determinados setores industriais e de serviços capazes de gerar valor agregado (o que implica desestímulo à atividade econômica mais ineficiente), na adoção de políticas setoriais específicas para reforçar esse estímulo e na promoção de alterações constitucionais e legislativas no sentido de modernizar o arcabouço regulatório.

As políticas públicas específicas para promover o desenvolvimento incluem, naturalmente, modificações tributárias, mas também incorporam outras que, no Brasil da fantasia, são usualmente tratadas como questão moral, como a educação. Em suma, o que se deve esperar (e cobrar) do governo Dilma é desenvolvimento.