Título: Desequilíbrio bancário deve se aprofundar
Autor: Atkins, Ralph; Watkins, Mary
Fonte: Valor Econômico, 21/08/2012, Finanças, p. C12

Os desequilíbrios do sistema bancário da zona do euro, sacudida pela crise, estão ficando mais pronunciados. No início deste mês, Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), referiu-se à fragmentação financeira para justificar uma resposta mais arrojada às agruras da região com o endividamento: os mercados esperam agora um programa governamental reforçado de compras de bônus para os próximos meses.

Com "fragmentação", Draghi quis se referir ao mau funcionamento dos mercados de empréstimos interbancários e à retirada dos investidores para seus países de origem. O outro lado dessa moeda é um aumento significativo da dependência da liquidez do BCE por parte dos bancos da periferia da zona do euro.

Chamando a atenção para essa tendência, os bancos espanhóis recorreram, no mês passado, a mais de € 400 bilhões das operações de mercado aberto do BCE - um terço do total recorde de € 1,2 trilhão emprestado pelo guardião monetário da zona do euro. Sucessivamente, os bancos espanhóis empregaram recursos do BCE para comprar bônus governamentais, o que reduziu as pressões sobre os custos de captação de Madri.

Draghi iniciou seu mandato no BCE, no fim de 2011, expandindo os estoques de liquidez. Em dezembro e fevereiro, as operações de refinanciamento de mais longo prazo (conhecidas por LTROs, nas iniciais em inglês) ofereceram aos bancos mais de € 1 trilhão em empréstimos de três anos.

Não será fácil reverter essa tendência. A fragmentação financeira se prolongará por mais tempo, argumenta o analista do setor bancário Alastair Ryan, do UBS. "Revertê-la exige nada menos que dizer às pessoas que o euro é permanente, o que requer união fiscal e socialização do endividamento."

Nick Matthews, economista da Nomura para a UE, diz: "Se houver uma reação abrangente de política econômica que reduza a tensão e a pressão, poderemos ter alguma estabilização". Mas o uso do BCE aumentará se as condições se agravarem ou se o banco central sentir necessidade de facilitar para os bancos o acesso a seus recursos.

Ao mesmo tempo, as autoridades reguladoras, como o Bank of England, o BC do Reino Unido, que não compõe a zona do euro, estão pressionando os bancos a reduzirem as disparidades transnacionais de passivos financeiros.

O Morgan Stanley advertiu em nota divulgada em junho para um "enorme aumento" do viés dos bancos em favor de seus países de origem, o que teria esgotado cada vez mais os empréstimos transnacionais dentro da UE. "A incerteza na zona do euro vai propagar rapidamente esse fenômeno por todos os bancos e medidas regulatórias e, se não for controlado, levará a um estresse maior, à deterioração das condições de crédito e ao enfraquecimento das economias", escreveu Huw van Steenis, analista do setor bancário do Morgan Stanley.

Em decorrência disso, os recursos do BCE estão sendo encaminhados para o sul, mais ensolarado, da Europa, onde a dependência está se tornando generalizada. Espanha, Itália e Portugal responderam por 60% dos empréstimos do BCE concedidos em julho. O emprego desses recursos pelos bancos espanhóis correspondeu a 11% do total de seus ativos; no caso dos bancos italianos, esse percentual foi de aproximadamente 7%.

A Irlanda e a Grécia compõem uma categoria especial. Ambos os países se tornaram usuários intensivos de "assistência emergencial de liquidez", dinheiro criado por seus BCs, com aprovação do BCE, para fortalecer bancos desprovidos de ativos suficientes para usar como garantia em operações normais de mercado aberto do BCE.

A utilização pela Grécia de assistência emergencial saltou para mais de € 100 bilhões após a decisão do BCE, em 2011, de excluir o emprego de bônus do governo grego como garantia para a obtenção de sua liquidez.

O uso intensivo pelos bancos do sul da Europa da liquidez do BCE afetou os padrões de financiamento. A emissão de bônus pelos bancos disparou nos três primeiros meses do ano, quando os bancos do norte da Europa, e mesmo alguns de seus congêneres do sul, se beneficiaram da melhoria das condições do mercado que se seguiu à primeira LTRO. No entanto, a emissão se reduziu à metade no segundo trimestre, com a deterioração das condições do mercado, segundo dados da Dealogic.

Muitos bancos do norte da Europa relatam estar praticamente financiados para este ano, enquanto os bancos de Espanha e Itália dependeram grandemente do BCE na maior parte do ano.

Outros mercados de concessão de recursos dão sinais de esgotamento. O volume de transações europeias de recompra, nas quais os bancos empregam ativos como bônus governamentais como garantia para empréstimos de curto prazo também se contraiu. Recente amostra do mercado realizada pelo Conselho Europeu de Recompra da Associação Internacional do Mercado de Capitais mostrou que as recompras ficaram em € 5,6 trilhões em junho, volume inferior aos € 6,2 trilhões de dezembro. Isso teria refletido o impacto das LTROs na maneira pela qual os bancos europeus se financiam.

Um dos riscos para o BCE, se essas tendências se mantiverem, será a reação adversa no âmbito político. Os políticos alemães estão atentos aos desequilíbrios cada vez maiores no sistema de pagamentos "Target 2", utilizado pelos BCs dos 17 países da zona do euro, que refletem a retirada do capital privado dos países da zona do euro. Os pagamentos devidos à Alemanha, pelo sistema Target 2, alcançaram mais de € 700 bilhões.

O restabelecimento da confiança no futuro da zona do euro estará no primeiro plano da estratégia do BCE. A instituição está estudando alternativas para um programa de compra de bônus, mas argumenta que os políticos da região têm de fazer a sua parte.