Título: O que vale é o fundamento
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 09/01/2007, Eu & Investimentos, p. D1

Aos poucos, o investidor brasileiro começa a olhar para o mercado acionário com mais confiança. A imagem de jogo de cartas marcadas, de cassino, onde as regras de mercado não valiam e o pequeno investidor só entrava para financiar a saída dos grandes especuladores ficou para trás. Mas muita gente ainda não entende sua lógica e não sabe bem por onde começar. Muitos ainda procuram dicas e palpites que permitam ganhos astronômicos de um dia para o outro. O caso da euforia com as ofertas públicas, onde muitos compravam ações sem sequer conhecer a empresa, mas porque todas subiam após o lançamento, foi um bom exemplo, que só diminuiu um pouco quando o mercado reverteu em maio do ano passado.

Essa incerteza torna mais importante estudos como o do professor da FEA USP e pesquisador da Fundação Instituto de Pesquisas Atuariais e Financeiras (Fipecafi) Alexsando Broedel Lopes, em parceria com o professor da Fundação Instituto Capixaba de Pesquisas (Fucapi) e doutorando da FEA Fernando Galdi.

Eles analisaram todas as empresas da Bovespa e procuraram dar notas a cada uma de acordo com nove critérios financeiros de desempenho. Depois, pegaram as companhias com as três maiores notas e com menores preços no mercado (de acordo com a relação Preço/Valor Patrimonial) e montaram uma carteira que foi atualizada em janeiro de cada ano de 1994 até 2004. O resultado foi que a carteira com as empresas com melhores indicadores teve um ganho 34% superior ao do Índice Bovespa no período. Isso significaria um retorno nominal de 872,54%, para um Ibovespa de 623,03% no período.

O estudo mostrou ainda que o investidor poderia ter usado o mesmo critério para ganhar também com os papéis que levaram bomba nas notas. Quem tivesse montado uma carteira alugando os papéis com notas abaixo de 3 e vendendo-os no mercado (isso é chamado de ficar vendido) teria obtido um ganho de 17,71% acima do Ibovespa. Fazendo uma carteira long/short, vendida nos papéis com piores notas e comprada na dos melhores, o ganho final teria sido ainda maior, 52,22% acima do Ibovespa. Isso significaria um retorno nominal de 1.000,6%.

"O estudo prova que a bolsa tem fundamento, e o investimento com base no estudo das empresas e com disciplina produz resultado no longo prazo", afirma Lopes. A constatação é importante quando o investidor se depara com tantas estratégias de investimento.

Lopes ataca logo de cara a análise técnica, onde se tenta por meio dos gráficos do passado determinar qual será o comportamento futuro das ações e do mercado. "É parecido com horóscopo", afirma. "A análise gráfica dá uma resposta muito fácil, muito simples de entender e com a qual qualquer pessoa poderia ganhar dinheiro sem muito esforço", afirma Lopes. "Se falarmos para o investidor que ele vai ter de analisar a empresa, ler sobre seu desempenho, aprender sobre o setor, estudar, como é na análise fundamentalista, ele vai desanimar e preferir o gráfico", diz ele. "É como o gordo que reclama do médico que manda ele fazer exercício e comer menos para emagrecer, pois isso ele já sabe e não é o que ele quer".

Isso explica por que a análise gráfica faz tanto sucesso entre investidores pessoa física e amadores, afirma Lopes. "Grandes fundos e gestores não têm essa fixação em técnicas tão simples de análise".

O que realmente funciona, diz Lopes, é a análise fundamentalista, apesar de em alguns momentos fatores externos afetarem o desempenho das ações. Foi o caso, por exemplo, das turbulências provocadas pela flutuação do real em 1999, do apagão em 2001 e da instabilidade política em 2002. "Mas depois de algum tempo os fundamentos prevalecem e os papéis das empresas voltam a se recuperar, como mostra o estudo", afirma.

O trabalho de Lopes levou em conta um índice de nove indicadores financeiros das empresas. Cada indicador representaria um ponto para a empresa se fosse positivo e zero se fosse negativo. Depois, os pontos eram somados e as empresas classificadas. As que conseguiam 7, 8 e 9 pontos eram as boas, entre as quais eram selecionadas as que tinham menor preço.

Com esses critérios, a carteira ficou em média com 95 papéis, dos quais 30%, ou cerca de 30 ações, eram substituídas a cada ano. "E aí entrou a disciplina, de substituir os papéis mesmo com expectativa de ganhos ou manter os que estavam perdendo muito", afirma Lopes, lembrando que "sempre é mais difícil vender um papel na hora certa do que comprar", explica. No fim de cada ano, cada item era reavaliado de acordo com os novos balanços e a carteira renovada.

Lopes faz questão de frisar que não foi feita nenhuma análise macroeconômica para influenciar as decisões e que os critérios financeiros eram os mais simples, como rentabilidade sobre os ativos, índice de liquidez, alavancagem e endividamento de curto prazo, vendas sobre ativos, margem de lucro e geração de fluxo de caixa. "Queria testar uma análise simplista para ver se ela funcionaria e funcionou, o que significa que a bolsa reflete os fundamentos das empresas", afirma. "Agora vamos tornar a análise mais sofisticada, agregando indicadores setoriais".

Lopes diz que o estudo, feito em 2006, poderia ter sido aplicado a uma carteira real de um investidor. Nesse caso, seria preciso ter pelo menos R$ 100 mil para montar um portfólio desse tipo.