Título: Joaquim Barbosa diz que Rural simulou empréstimos
Autor: Basile, Juliano; Magro, Maíra
Fonte: Valor Econômico, 31/08/2012, Política, p. A12

O relator do processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, concluiu que o Banco Rural concedeu empréstimos simulados ao PT e às agências de Marcos Valério. Ele ainda indicou que o banco teria cometido crime de gestão fraudulenta.

O ministro não chegou a votar pela absolvição ou condenação dos ex-integrantes da cúpula do Rural denunciados no processo: a ex-presidente do banco Kátia Rabello e os ex-diretores José Roberto Salgado, Vinicius Samarane e Ayanna Tenório. O relator deve concluir, na segunda-feira, o voto sobre o segundo item em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), que trata da acusação de gestão fraudulenta contra a alta cúpula do banco. Mas Barbosa deu indicações claras de que deve votar pela condenação dos réus do chamado núcleo financeiro do mensalão, abrindo espaço para, em seguida, julgar com rigor os réus políticos que assinaram os empréstimos com o Rural - o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares e o ex-presidente do partido José Genoino.

Ao descrever os empréstimos, o ministro mencionou cadastros com informações desatualizadas e falsas. Na visão de Barbosa, quando eram percebidas essas deficiências, o banco as ignorava. Barbosa disse que o Rural não tinha cadastros corretos do PT e das empresas do publicitário Marcos Valério, assim como desconsiderava a situação financeira do partido e das empresas. "Tais fatos dão pleno suporte à acusação", afirmou o ministro. "Fica evidente que o Banco Rural, ao conceder o empréstimo, não observou a deficiência financeira do PT no ano de 2002."

Ao todo, os empréstimos totalizaram R$ 32 milhões. "Outro dado que reforça o caráter simulado dos empréstimos decorre das garantias aceitas pelo Rural para tais operações. Essas garantias ou eram inválidas ou insuficientes em face dos altíssimos valores emprestados", afirmou. O relator do mensalão deu como exemplo o patrimônio insuficiente dos fiadores, entre eles Delúbio e Genoino. Ambos avalizaram um empréstimo de R$ 3 milhões sem ter patrimônio para tanto. Segundo Barbosa, o Rural só decidiu cobrar os empréstimos depois que o escândalo do mensalão foi divulgado pela imprensa e o banco foi apontado como o local de saque de dinheiro por políticos.

No caso das empresas de Valério, o ministro disse que o banco aceitou que a SMP&B e a Graffiti "oferecessem a mesma garantia ao contrato de seus empréstimos". "Tais ilegalidades se repetem dez vezes no contrato do PT com o Rural", comparou. "O Rural chegou a aceitar garantia inválida, ou seja, a cessão de direitos creditórios de contrato de prestação de serviço da DNA Propaganda com o Banco do Brasil", acrescentou Barbosa, referindo-se a outro empréstimo feito com Valério. Segundo o relator, um parecer jurídico do próprio Rural dizia que esse tipo de garantia era inválida.

O ministro disse ainda que os empréstimos desrespeitaram normas do Conselho Monetário Nacional e do próprio banco. "Vários empréstimos e suas respectivas renovações foram celebrados com insuficiência de informações, informações defasadas ou pareceres desfavoráveis à contratação por parte dos analistas. Foram descumpridos preceitos dos próprios manuais internos do banco", enfatizou.

No caso das renovações, o relator disse que "o risco era tão elevado que um dos membros do comitê pleno de crédito do banco consignou expressamente a necessidade dos votos de Kátia Rabello e Salgado, autoridades mais altas do banco".

Advogados dos réus bancários do mensalão insistiram na tese de que os empréstimos ao PT e a empresas de Marcos Valério foram concedidos, em 2003, durante a gestão de José Augusto Dumont, falecido um ano depois num acidente de carro. De acordo com eles, os contratos foram firmados antes de seus clientes entrarem para a cúpula do banco. "O fundamental é que nenhum dos denunciados participou da concessão desses empréstimos", disse o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que defende Salgado.

Os advogados alegaram que os fatos narrados na denúncia poderiam configurar, no máximo, gestão temerária, mas não gestão fraudulenta. "Ele fala de negligência", disse Bastos no intervalo da sessão, argumentando que não haveria fraude. O crime de gestão temerária tem pena mínima de dois anos, já prescrita, enquanto o de gestão fraudulenta tem pena mínima de três anos, que ainda não prescreveu. (JB, MM e FE)