Título: Dilemas da política monetária
Autor: Garcia , Márcio G. P
Fonte: Valor Econômico, 31/08/2012, Opinião, p. A15

Com a redução da Selic em 0,5%, nesta semana, o atual ciclo de afrouxamento monetário atingiu a mesma queda que havia sido acumulada na esteira da crise de 2008, 5%. Como partiu de um patamar menor, 12,5%, a Selic está hoje no vale histórico de 7,5%. O comunicado do Copom após a reunião deixou claro que, se houver alguma redução adicional, será de 0,25%.

No mesmo dia em que se conheceu a decisão do Copom, o Ministro da Fazenda anunciou novo pacote fiscal (o oitavo) com renovadas desonerações fiscais e maiores subsídios creditícios. Além de manter o aquecimento temporário das vendas de produtos industriais, as desonerações têm o efeito de evitar a elevação da inflação corrente, às expensas da futura. O novo pacote fiscal não só revela visão mais pessimista do que a do BC quanto à recuperação da economia, como também demonstra que a política fiscal permanecerá expansionista.

A recuperação eventual da economia mundial desafiará a atual combinação de câmbio controlado e juro baixo

Como reagirá a economia à baixa taxa Selic? Será a queda suficiente para reativar a atividade econômica? Como reagirá o câmbio? A inflação pode subir?

A resposta a todas essas perguntas dependerá, mais do que habitualmente, das condições externas: da evolução da crise do euro, do tamanho da desaceleração do crescimento chinês e do vigor da retomada econômica dos EUA, também ameaçada pela paralisia política oriunda da exacerbação do antagonismo entre republicanos e democratas.

Cenários desfavoráveis podem ser bastante variados: desde a continuação da atual letargia nos países desenvolvidos até uma bruta contração do crédito internacional na esteira da dissolução do euro, da quebra de grandes bancos e do default de dívidas soberanas. Como já demonstrado na reação à crise de 2008, o governo tem várias possibilidades de reação ao eventual recrudescimento da crise internacional. Mas seria ilusório acreditar que poderíamos crescer com o mundo em recessão.

Um cenário internacional mais favorável conduziria à recuperação dos preços de commodities. No passado, o câmbio flutuante compensava o aumento do preço das commodities com a apreciação do real, na esteira do aumento das exportações e do ingresso de investimento estrangeiro, mas o atual regime cambial de fato não parece mais contemplar tal possibilidade. O gráfico mostra como a taxa de câmbio, após cruzar o patamar de 2,00 R$/US$, em maio, tem sido mantida dentro de uma banda muito estreita, via intervenções do Banco Central. Esta política cambial, em um cenário de elevação dos preços internacionais de commodities, elevaria a inflação, inviabilizando a atual taxa Selic. As previsões do mercado financeiro de elevação da Selic em 2013 apenas refletem de tais temores. Ou seja, se o melhor cenário se confirmar, o controle da inflação exigirá escolha entre a manutenção do câmbio controlado e do juro baixo.

Argumenta-se que, nesse cenário internacional favorável, as pressões inflacionárias poderiam ser mitigadas via novas medidas macroprudenciais, que contivessem a expansão do crédito. Ainda que o efeito das medidas macroprudenciais do final de 2010 tenha sido positivo, não se pode exagerar seu poder para regular o ciclo econômico. Em seus comunicados, o BC sempre ressalta, corretamente, que as medidas macroprudenciais não constituem substitutos às medidas de política monetária e devem objetivar prioritariamente a prevenção de riscos à estabilidade financeira.

O que se conclui é que poderemos crescer a taxas mais elevadas, caso sobrevenha o melhor cenário internacional. Mas, nesse cenário, das duas uma: ou teremos uma combinação de câmbio mais baixo e juro mais alto ou mais inflação.