Título: Impacto do Bolsa Família depende da região
Autor: Felício, César e Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2006, Especial, p. A12

Tapauá, uma pequena cidade com 3 mil famílias no interior do Amazonas, deu 9% de seus votos a Luiz Inácio Lula da Silva em 2002, colocando-o em quarto lugar na eleição presidencial. O candidato do PSDB naquele ano, José Serra, ficou em primeiro. Este ano, Lula teve 80,1% da votação no município.

No quadriênio petista, o programa Bolsa Família passou a beneficiar 72,6% das famílias tapauaenses. Em Porto da Folha (SE), 64,5% das 6 mil famílias locais também recebem o benefício. Mas lá, a votação de Lula oscilou de 44% para 43% entre uma votação e outra e Lula perdeu a eleição para Geraldo Alckmin (PSDB).

Os dois resultados são um sinal de que as questões locais servem mais que o Bolsa Família para impulsionar a "força do povo" que os marqueteiros do PT tentam vender como o principal mote da campanha pela reeleição do presidente. Há influência entre número de beneficiários e desempenho favorável nas urnas, mas há condicionantes regionais. O Bolsa Família surte mais efeito eleitoral nos Estados em que a diferença a favor de Lula em relação a Alckmin é grande, como no Nordeste e no Norte. Por sua vez, nos Estados em que o tucano venceu, o programa não é determinante.

Para tentar medir o impacto do programa nas eleições, o Valor pinçou em todos os Estados, além do Distrito Federal, o resultado eleitoral das cinco cidades proporcionalmente mais beneficiadas pelo Bolsa Família. O resultado foi comparado com o das cinco cidades em que proporcionalmente o número de benefícios é menor.

As cidades foram divididas em em três faixas: na primeira, as 55 cidades em que o pagamento do benefício variou da faixa de 30% até 60% do total de famílias, além do Distrito Federal. Nessas cidades, a votação média de Lula praticamente não variou entre 2002 e 2006: foi de 44% para 47%. Lula perdeu em 19 destes municípios em 2002 e agora foi derrotado em 24. Na segunda faixa enquadram-se os 54 locais onde entre 60% e 80% das famílias são beneficiárias. Aqui, a votação média de Lula passou de 38% para 66%, e o total de derrotas caiu de 27 para 9.

O presidente mostra um crescimento brutal de seus votos nas cidades mais atendidas pelo Bolsa Família. No grupo das 21 cidades onde mais de 80% das famílias recebem o benefício, a votação média de Lula passou de 37% para 78%, um crescimento de 108% em quatro anos. Em 2002, Lula havia ganho em 8 das 21 cidades. Neste ano, foi derrotado em uma: Viçosa do Ceará. Mas todas estas estão no Nordeste.

Praticamente a metade (49,8%) do total nacional dos benefícios do Bolsa Família são pagos na região, e é lá que que fica claro o predomínio do fator regional sobre o assistencialista. Lula cresce tanto nas cidades com menor incidência do programa quanto nas mais atendidas.

Em Pernambuco, a votação de Lula em relação a 2002 cresceu nos cinco municípios onde a parcela das famílias que recebem a Bolsa ultrapassa 75%. Em Manari - cidade de mais baixo IDH do Brasil - por exemplo, o percentual de Lula foi de 16% para 77%. Mas o petista também registrou aumento de votação em quatro dos cinco municípios onde os beneficiários das Bolsas não passam de 28% das famílias. Só perdeu votos na ilha de Fernando de Noronha.

Na Bahia, o resultado é o mesmo: Lula aumenta sua votação nas cinco cidades onde a inclusão no programa oscila entre 72% e 75% das famílias, como Matina, onde pulou de 33% para 58%. Mas o mesmo ocorre nos cinco municípios onde os incluídos ficam entre 17% e 26%. Em Candeias, onde Lula já havia obtido 76% em 2002, o petista cresceu ainda mais, para 83%.

"Fica claro que Lula recebeu grande votação no Nordeste por uma gama de fatores, onde o Bolsa Família é marginal. Entra aí a identificação com a população local e as dificuldades de a oposição fazer o mesmo. Há uma superestimação do efeito", diz a economista Lena Lavinas, da UFRJ.

Para o economista da FGV do Rio, Marcelo Neri, o Bolsa Família vem no fim da fila dos programas sociais com impacto político. "Acho que o Bolsa Família não é particularmente forte para o ciclo eleitoral porque crianças pobres não são tão valorizadas quanto adultos pobres. Política de salário mínimo, por exemplo, é muito mais atrativa do ponto de vista eleitoral justamente por este efeito. No Bolsa Família, a densidade de eleitores por benefício é menor do que em outras políticas", disse.

Ex-secretário municipal do Trabalho no governo petista de Marta Suplicy na cidade de São Paulo, o economista Márcio Pochmann admite o impacto político, mas o relativiza. "Programas de transferência de renda consolidam a preferência eleitoral de quem já se mostra suscetível à adesão política", disse, citando a própria experiência em São Paulo: "Ouvi de beneficiados das políticas de Marta Suplicy que não iriam votar nela, em função da criação de taxas e impostos. Quando questionei o fato deles não pagarem mais impostos, responderam-me que souberam disso pelos jornais", relembrou.

Para Pochmann, a explicação está na despersonalização destes programas. "O benefício é universal e tudo o que uma pessoa pobre precisa fazer para recebê-lo é obedecer as condicionalidades. Isto faz com que o beneficiado não se sinta tão dependente do agente pagador, sobretudo nos lugares mais permeáveis a influências externas da mídia e da classe média, como a região Centro-Sul e as grandes cidades ", disse.

Nos Estados onde Lula perdeu, a tendência foi o petista ir mal tanto nas cidades mais atendidos pelo programa, como nas cidades com menos Bolsa Família. No Mato Grosso do Sul, por exemplo, a votação de Lula recuou tanto nas cinco cidades onde o programa beneficia de 8% a 13% das famílias como nos cinco municípios onde o pagamento chega a uma faixa de 36% a 49% do total, ficando atrás de Alckmin em todas.

Nos Estados onde o o universo da população atendida é relativamente menor, a relação entre Bolsa Família e eleição é ainda mais tênue. No Rio, os cinco municípios com maior incidência do programa atendem cerca de 30% das famílias. Lula perdeu em quatro deles. Nos cinco municípios fluminenses onde o programa é reduzido, atendendo de 5% a 7% das famílias, Lula ganhou em todos.

Das 34 derrotas que Lula sofreu no universo das 131 cidades campeãs de atendimento do Bolsa Família, 25 foram nos 10 Estados onde perdeu a eleição e no Distrito Federal. Entre as 80 cidades analisadas dos Estados onde o petista ficou em primeiro lugar, a vantagem sobre Alckmin é de 71 a 9. "Isto mostra que a apropriação eleitoral do programa não é linear. Ocorreu com mais intensidade no Norte e no Nordeste, por fatores que vão além da ação do governo", diz Lavinas.