Título: A versão petista do terrorismo eleitoral
Autor: Romero, Cristiano
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2006, Brasil, p. A2

Vítima de terrorismo eleitoral nas eleições de 1989 e 2002, o PT, agora no poder, lança mão das mesmas armas para atingir seu oponente na disputa presidencial. Em 1989, Fernando Collor de Mello disse que Lula confiscaria a poupança, medida que ele, Collor, colocou em prática no primeiro dia de mandato. Em 2002, o candidato do PT foi novamente coagido pela tática do medo. Nem a Carta aos Brasileiros, lançada a algumas semanas da eleição, impediu que a especulação corresse solta nos mercados.

Instalado na presidência, Lula desmentiu os terroristas eleitorais, fazendo uma gestão econômica mais conservadora que a de seu antecessor. Agora, ameaçado por um segundo turno com o qual não contava, o presidente-candidato e seus seguidores "acusam" Geraldo Alckmin de querer privatizar o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobras, de ameaçar o existência do Bolsa Família e de demitir funcionários públicos, além de cortar seus salários. Ontem, em entrevista à rádio Bandeirantes e à BandNews, Lula chegou a dizer que a única coisa que seu adversário sabe fazer é "vender coisas". No fim da tarde, acusou Alckmin de ser "um cidadão especializado em destruir o que a gente fez". Citou a Petrobras como exemplo de algo que pode ser destruído.

O candidato tucano não defende, em seu programa, a realização de novas privatizações. Nos bastidores de sua campanha, também não há ninguém argumentando em defesa de uma nova rodada de desestatização, embora esse não seja um tema proibido entre seus apoiadores. No programa do PT, não se fala do assunto. Esse é um dos aspectos condenáveis da campanha presidencial em curso: a miserabilidade do debate. Todos os governos civis, desde a redemocratização, há 20 anos, deram contribuições para a modernização do país. Um capítulo importante desse processo foram justamente as privatizações, o início da transição de uma economia autárquica para uma economia de mercado. Em 11 anos - de 1991, quando foi vendida a Usiminas, a 2002, último ano da gestão FHC - o governo, por meio de três presidentes, privatizou os setores petroquímico, siderúrgico, de telecomunicação e distribuição de energia, além de empresas importantes, como a Embraer e a Vale do Rio Doce, e de inúmeros bancos estaduais.

Embora tenham iniciado de fato no governo Collor, as privatizações começaram a ser planejadas no governo Sarney. Mesmo Itamar Franco, um nacionalista com pendor estatizante, não interrompeu a desestatização iniciada por seu antecessor - a CSN foi vendida em seu mandato. Fernando Henrique Cardoso quebrou monopólios estatais e deu grande impulso ao processo, que só não continuou na gestão Lula porque faltou tempo ao então ministro Antonio Palocci para desregulamentar o setor de resseguros e privatizar o IRB, mas o plano era exatamente esse. Lula, aliás, não pode dizer que não privatizou - o Banco do Estado do Ceará (BEC) foi comprado pelo Bradesco em sua gestão.

A esta altura do estágio de desenvolvimento da economia brasileira, é um contra-senso que o tema desestatização esteja interditado pela disputa política. Nesse aspecto, o terrorismo eleitoral propagado pelo PT é danoso. Fala-se das privatizações como se elas tivessem feito um grande mal ao país, o que não é verdade.

São inúmeros os exemplos de empresas que, privatizadas, cresceram de forma acelerada, gerando mais empregos, lucros e retorno para o Estado (em impostos) e para a economia em geral (em eficiência). Faça-se menção a dois casos, freqüentemente citados por petistas e por boa parte da esquerda brasileira como deletérios: o da Vale do Rio Doce e o da telefonia.

A Vale foi privatizada em 1997. Naquele ano, seu lucro líquido, quase 50% superior ao do ano anterior, foi de R$ 756 milhões. No ano passado, a empresa, uma multinacional com presença em 17 países, lucrou R$ 10,4 bilhões. Em 2004, suas vendas ao exterior atingiram US$ 5,5 bilhões, quase 5% do total das exportações brasileiras. No ano passado, foi a primeira empresa a receber, das agências de classificação de risco, o grau de investimento, superior ao do país onde está instalada.

-------------------------------------------------------------------------------- Privatização é banida do debate político --------------------------------------------------------------------------------

Em 1997, um ano antes da privatização do Sistema Telebrás, havia no Brasil 18,8 milhões de telefones fixos instalados. Em 2005, esse número já estava em 50,3 milhões. Já o número de terminais celulares pulou de 4,5 milhões para 94,9 milhões em agosto passado. Essa expansão não aconteceu no vazio. Trouxe fabricantes de celulares para o país, gerou empregos, lucros e renda.

Antiamericanismo para inglês ver

Atitudes antiamericanas sempre animaram platéias à esquerda no espectro político que apóia o governo Lula. Pragmático, o presidente cultivou relações pessoais com George W. Bush, mas deixou sua diplomacia ideológica dar caneladas nos americanos por debaixo da mesa. Pior para o Brasil porque, para dois países se aproximarem, não basta que seus líderes assim o desejem. É preciso que as diplomacias se engajem num esforço de aproximação.

Lula, agora, meteu Bush na disputa eleitoral ao comparar Alckmin ao presidente americano. O jogo, embora ainda possa produzir algum estrago no relacionamento com o líder americano, é para a platéia. O PT, nas figuras de Lula e do ex-ministro José Dirceu, se dá muito bem com o Partido Republicano, de Bush.

Tradicionalmente, a esquerda brasileira sempre foi ligada ao Partido Democrata, que representa a esquerda liberal americana. A família Kennedy tinha relações, por exemplo, com Leonel Brizola. O PT quebrou essa tradição. Sua relação preferencial foi com os republicanos hiper-conservadores de Bush.

Toda vez que o Itamaraty aumentava um pouco o tom da toada antiamericana, Dirceu corria aos Estados Unidos para se avistar com Condoleezza Rice, a secretária de Estado, e desfazer "falsas impressões", afinal, "Lula não é Chávez". O fato é que a relação do ex-ministro com os republicanos é tão próxima que, quando ele deixou o poder, cassado, foi convidado a passar uma temporada na América do Norte, estudando inglês e visitando Estados governados por eles, os republicanos.

Cristiano Romero é repórter especial em Brasília e escreve às quartas-feiras