Título: Lideranças do P-SOL tendem a apoiar Lula
Autor: Santos, Chico e Agostine, Cristiane
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2006, Política, p. A6

À medida que o segundo turno da eleição presidencial se aproxima, a neutralidade do P-SOL balança. O partido, que ficou em terceiro lugar no primeiro turno com a candidatura da sua presidente, a senadora Heloísa Helena, definiu posição pela neutralidade e até agora não a alterou, mas intelectuais e lideranças crescentemente defendem o debate e mostram inclinação pelo voto no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Estou disposto a votar no Lula se o Bolsa Família for transformado em um direito permanente", disse o sociólogo Francisco (Chico) de Oliveira em debate promovido anteontem à noite pela agência de notícias "Carta Maior". Oliveira, hoje no P-SOL, foi um dos primeiros intelectuais a abandonarem o PT por divergência com a política econômica do governo Lula, ainda em 2003. Ele ressaltou que deseja também do governo petista o compromisso de que conduzirá as políticas sociais e econômicas de modo a fazer com que o Bolsa Família torne-se desnecessário "em dez anos, no máximo".

O deputado federal Chico Alencar (P-SOL-RJ) primeiro a manifestar-se contrário à posição revelada pela direção do partido, de neutralidade silenciosa, defende o debate. Ele mesmo promoverá hoje à noite uma reunião plenária com militantes, no Rio, onde a questão do voto no segundo turno será abordada. Alencar destacou que vários intelectuais do partido estão se manifestando.

"Não vi nenhuma manifestação em defesa do voto no [Geraldo] Alckmin". Ele citou nomes importantes favoráveis ao debate, como o do cientista social Carlos Nelson Coutinho e o do ex-frade franciscano Leonardo Boff. "No Lula, seria um voto crítico", completou o deputado que, em relação ao seu próprio voto, disse que exercerá o direito de mantê-lo em sigilo.

"Votar em Alckmin é votar na privatização da educação", disse no debate de anteontem a filósofa da USP, Marilena Chauí. Plínio de Arruda Sampaio, que foi candidato do P-SOL ao governo paulista, condicionou a hipótese de votar no PT a um acordo em torno de "uma agenda social" e ressaltou sobre o candidato do PSDB: "Nenhum de nós pode sequer pensar em votar no Alckmin".

Segundo pesquisa Datafolha divulgada na semana passada, a maior fatia dos mais de seis milhões de eleitores que votaram em Heloísa Helena no primeiro turno vai contra o pensamento dos intelectuais do partido. De acordo com o Datafolha, 48% dos eleitores de HH declararam que irão votar em Alckmin no dia 29 deste mês, enquanto apenas 32% declararam voto em Lula.

A aparente contradição, já que o PT, historicamente, está à esquerda do PSDB, fica menos evidente quando se observa o comportamento dos eleitores de HH nas pesquisas telefônicas feitas pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe) para o Valor. Em uma das pesquisas, na primeira semana de setembro, foi perguntado sobre quem era favorável aos cortes de gastos públicos como forma de equilibrar as contas do Estado. Surpreendentemente, 94% dos eleitores de HH foram favoráveis, contra 85% dos de Alckmin e 81% dos de Lula.

À outra pergunta, 38% dos que iriam votar em HH declararam-se favoráveis a que os cortes de gastos fossem focados nos salários dos servidores, contra 37% dos eleitores de Alckmin e 24% dos de Lula. Outra pesquisa Ipespe/Valor, feita no dia 27 de setembro, mostrou a coerência das duas respostas anteriores, enfatizando que o voto na candidata do P-SOL era mais ético do que ideológico. Questionados sobre qual era a bandeira mais importante, 58% dos eleitores de HH responderam que era a ética contra 42% dos de Alckmin e 33% dos de Lula.

Talvez essas evidências tenham levado a campanha de Alckmin ao raciocínio de que não seria demais imprimir adesivos com os dizeres "Sou Heloísa e voto Geraldo", o que deverá valer ao seu partido uma interpelação do P-SOL no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), segundo pronunciamento na tribuna da Câmara do deputado Chico Alencar: "Isso é uso indevido da imagem do nosso partido que não tomou essa decisão".

Adiante do debate sobre o segundo turno, o P-SOL cuida do próprio futuro. Sem ter alcançado o mínimo de votos para superar a cláusula de barreira (limite para que os partidos tenham plenos direitos) o partido debate como será sua atuação. A senadora Heloísa Helena afirma que para parlamentares atuantes, o fato de não poder participar de comissões não chega a ser um limite importante. Ela diz que esteve o tempo todo fora das comissões permanentes, sem com isso comprometer sua atuação parlamentar.

Como integrante do P-SOL, a única comissão de repercussão que a senadora participou foi a CPMI dos Correios. Para ela, a única perda importante que o partido terá é a do tempo na TV. A presidente do P-SOL disse que o partido fará no próximo ano seu primeiro congresso nacional para definir seus rumos, descartando a fusão com outras agremiações. "A experiência acumulada nos ajudará a construir um partido que não reproduza os graves erros do passado", disse a senadora, ressaltando que o P-SOL vai, por exemplo, disputar espaços no movimento sindical, mas sem "nada de endeusar". O PSOL, a exemplo do que aconteceu com o PV do deputado Fernando Gabeira (RJ) na atual legislatura, poderá participar de comissões por concessão de um outro partido titular da vaga.

Sobre a atuação parlamentar, o deputado Chico Alencar pensa diferente da líder do P-SOL. "Não quero se semi-deputado", disse ele, afirmando que o partido pode buscar a formação de blocos com agremiações mais próximas para ter acesso a comissões, ter um gabinete de liderança e outros instrumentos de atuação no Congresso.

Quanto ao futuro, Alencar entende que o dilema do P-SOL, a ser resolvido no congresso de 2007, é saber se ele será um partido de vanguarda, "com belas propostas que ninguém entende", "um PSTU turbinado", ou se irá ocupar o lugar de partido popular "firme na estratégia, mas flexível na tática" deixado, na sua visão, pelo PT.