Título: Crescimento e o dilema Tostines
Autor: Málaga, Tomás
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2006, Opinião, p. A14

Talvez por ser um ano eleitoral, está virando moda falar em meta de crescimento. Como se pode ver no gráfico 1, o Brasil apresenta há vários anos crescimento inferior ao crescimento mundial. Para muitos, isto parece ser um resultado não desejado da política de metas de inflação. Como se observa no gráfico 2, desde meados de 1999, quando foi implantado o regime de metas, o hiato de produto - a diferença entre o PIB efetivo e o PIB potencial - foi positivo com mais freqüência do que negativo e, durante o governo Lula, apenas em quatro trimestres o PIB efetivo foi menor do que potencialmente poderia ser.

Quanto um país pode produzir depende de quantas horas/homem tem disponíveis no período considerado, quanta capacidade instalada tem, qual o grau de congestão das estradas etc. e, finalmente, qual a produtividade de todos estes fatores quando operam juntos. A pergunta deste artigo é por que não temos mais capacidade produtiva ou produto potencial. Muitas pessoas têm uma resposta pronta: não temos maior produto potencial por causa das elevadas taxas de juros.

É aqui que entra o dilema Tostines, a propaganda antiga da Nestlé que perguntava se os biscoitos vendiam bem porque eram fresquinhos, ou eram fresquinhos porque vendiam bem. As taxas de juros são altas por que o produto potencial é baixo ou o produto potencial é baixo por que as taxa de juros são altas? Explicar ambos os fenômenos requer encontrar uma causa comum.

A causa comum parece ser o enorme peso que o tamanho do governo impõe à economia brasileira. É verdade que desde 1999 se tem feito esforços para aumentar o superávit primário e com isto diminuir o peso da dívida pública. Mesmo assim, para qualquer padrão internacional esta é muito elevada inclusive quando comparada a países latino-americanos. A dívida brasileira pública bruta beira os 74% do PIB (sendo 65% interna) , enquanto a da America Latina é em média 45%, ou seja, temos uma dívida de cerca de 30 pontos do produto mais elevada do que a média de nossos vizinhos. Esta dívida também é muito mais elevada do que a do setor privado junto ao sistema financeiro, que é de 30% do PIB. Assim, não resta dúvida que o Estado brasileiro é o grande consumidor da poupança nacional e que, portanto, exerce pressão sobre a taxa de juros.

-------------------------------------------------------------------------------- O Estado brasileiro é o grande consumidor da poupança nacional e, portanto, exerce pressão sobre a taxa de juros --------------------------------------------------------------------------------

Outro aspecto negativo do peso do Estado é a enorme carga tributária que, atônitos, vemos crescer ano após ano. Como disse recentemente Murilo Portugal, ex-secretário do Tesouro, a sociedade é que fez o ajuste fiscal, não o governo. Mas, pior do que seu tamanho é sua composição, que distorce as decisões de investimento. Para se ter uma idéia, nos EUA o maior imposto é o de renda que representa 12,5% da arrecadação; no Brasil este imposto representa apenas 4,2% do total. O mais alarmante é que são as empresas que pagam a maior parte do IR. Os impostos indiretos representam a maior parte da arrecadação. Estes, além de serem extremamente injustos, pois recaem sobre toda a população sem diferenciar a renda do contribuinte, são extremamente complexos, obrigando as empresas a investir na administração deles. Só como exemplo, os EUA trabalham com dez tipos diferentes de impostos; o Brasil trabalha, segundo levantamento do Banco Mundial, com 23. Muitos destes impostos, como o ICMS, não têm regulamentação uniforme nos Estados, o que potencializa esta complexidade. Como administrar impostos não é exatamente o negócio das empresas, recursos são desperdiçados, reduzindo sua produtividade. Adicionalmente, este emaranhado de impostos torna o sistema pouco transparente e extremamente vulnerável à corrupção. É por esta e outras que no agregado percebemos que a produtividade do Brasil é inferior à produtividade de outros países emergentes.

Da mesma forma, a falta de infra-estrutura tem levado a um congestionamento onipresente nos serviços públicos. Hoje, o investimento total do governo federal é menor que 0,5% do PIB, e a situação provavelmente não será diferente nos próximos anos. Se a fonte de financiamento para os investimentos públicos for o endividamento, o governo só deslocará o investimento privado pela elevação da dívida, com impacto nas taxas de juro. Assim, é indispensável que o investimento seja feito pelo setor privado sob a regulação do Estado. Fortalecer as agências reguladoras é muito importante. Infelizmente, vemos o governo andar para trás neste assunto.

Quando se observa a atuação do governo, pode-se pensar que o Brasil promove amplamente a atividade produtiva. Existe crédito subsidiado para a agricultura e para o setor habitacional. O BNDES financia máquinas e equipamento e fornece equalização de juros para empresas que têm que competir com empresas estrangeiras. O sistema 'S' assessora pequenas empresas e treina trabalhadores por aí a fora. Porém, o ranking da pesquisa Doing Business coloca o Brasil na posição 121 de um total de 175 países. A explicação para este aparente paradoxo é que estas políticas são uma maneira não democrática de favorecer uns em detrimento da maioria, sem tornar melhor o ambiente de negócios. A pesquisa Doing Business verifica coisas relativamente simples como o custo e demora de abrir uma empresa, de contratar e demitir um trabalhador, de resolver uma disputa judicial para defender um contrato etc. O mais importante é que estudos empíricos mostram que os países que estão no quartil superior - na América Latina apenas o Chile, México e Porto Rico - crescem em média 2,5 pontos percentuais mais ao ano que os que estão no quartil inferior.

Uma solução populista para a falta de crescimento do Brasil é forçar o BC a baixar os juros já. Infelizmente, não é a única. Muitas propostas visam reforçar os programas mencionados acima, em vez de enfrentar os problemas simples que viabilizam e valorizam a empresa privada, dando condições para que ela atue em um ambiente competitivo, com estabilidade de regras e afastando-a de fiscalizações por vezes predadoras. O governo e a classe política devem começar a pensar o crescimento a sério, e isto passa por parar de reclamar da taxa de juros que já está em inexorável trajetória de queda, parar de oferecer programas ad hoc a empresários e apenas passar a investir em um ambiente mais propício para os negócios de todos.

Tomás Málaga é economista-chefe do Banco Itaú S/A, Ph.D. em Economia pela Universidade da Califórnia, Los Angeles, EUA.