Título: Saída de Peluso tende a criar impasse
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 22/08/2012, Política, p. A8

A definição do formato de julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF) pode provocar uma nova rodada de debates intensos no plenário da Corte a partir da aposentadoria de Cezar Peluso, em 3 de setembro. Com a saída do ministro, o tribunal ficará com dez julgadores, permitindo que, em algumas situações, haja uma divisão no tribunal e, consequentemente, um empate. Caso ocorra, a situação, como quase tudo na Ação Penal nº 470, será inédita - e, portanto, deverá ser alvo da interpretação dos ministros para que se encontre uma solução.

O regimento interno do Supremo prevê que, nos casos de empate decorrente da ausência de um ministro por impedimento ou suspeição, por licença médica ou em função de uma vaga em aberto, o presidente do tribunal tem a prerrogativa de proferir o chamado "voto de qualidade" nas decisões do plenário - ou seja, seu voto passa a valer por dois. A exceção no regimento interno é feita para os casos de julgamento de habeas corpus, em que um empate, obrigatoriamente, favorecerá o réu. Ou seja, se metade dos ministros votar pela concessão do habeas corpus e a outra metade pela não-concessão, vale o primeiro entendimento, mais benéfico para o réu.

Outra opção do Supremo nos casos de empate é aguardar a volta do ministro ausente ou o preenchimento da vaga em aberto. Foi o que aconteceu durante o julgamento da Lei da Ficha Limpa. Em 2010 o Supremo começou a julgar a validade da aplicação da legislação nas eleições de outubro daquele ano, mas deparou-se com um empate: metade dos ministros votou pela validade da lei naquele ano enquanto a outra metade entendeu que ela só valeria a partir de 2012.

O julgamento da Lei da Ficha Limpa envolveu um recurso do candidato ao governo do Distrito Federal pelo PSC, Joaquim Roriz. Com base na Lei da Ficha Limpa, ele havia sido considerado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por ter renunciado ao mandato de senador em 2007, mas recorreu ao Supremo para garantir que, se eleito, pudesse assumir o governo. Com posição favorável à aplicação imediata da lei estavam os ministros Ayres Britto, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen Gracie. Contrários a esse entendimento votaram os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello, Marco Aurélio Mello e o então presidente da Corte, Cezar Peluso.

Na época, as alternativas do Supremo, de acordo com seu regimento interno, eram a de fazer valer o voto de qualidade do presidente - ou seja, o voto de Peluso valeria por dois, o que levaria a lei a ser aplicada apenas em 2012 - ou, persistindo o empate, prevaleceria a validade da lei contestada. O julgamento entrou madrugada adentro sem que os ministros conseguissem chegar a um consenso - Peluso não quis dar o voto de minerva. O Supremo então, optou por aguardar a nomeação do novo ministro da Corte pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva - o que aconteceu apenas após as eleições. Indicado por Lula, Luiz Fux foi nomeado sendo o voto de minerva da Lei da Ficha Limpa.

O vácuo jurídico provocado pelo empate em 2010 - que levou a uma enorme confusão nas eleições daquele ano - não se repetirá no caso do mensalão, em função da natureza do processo. No entanto, a solução dada ao empate na época também não poderá se repetir. Mesmo que o STF optasse por aguardar a nomeação do ministro que substituirá Peluso pela presidente Dilma Rousseff, ele não poderá julgar o mensalão. Por ser um ação penal, seria preciso acusação e defesa se manifestarem novamente - o que seria inviável.

Os criminalistas que atuam no caso do mensalão afirmam que, se houver empate, a doutrina e a jurisprudência indicam que valerá a posição mais benéfica para o réu - ou seja, a absolvição. Mas não há, no regimento interno do Supremo, uma previsão expressa dessa regra para ações penais - apenas para habeas corpus. O voto de minerva de Ayres Britto seria uma possibilidade, mas carregaria consigo o ônus de desempatar uma votação em que o que está em jogo é a liberdade individual.