Título: A China e o yuan estabilizado
Autor: Wolf, Martin
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2006, Opinião, p. A15

A China fará o que julgar necessário para o seu próprio interesse. Isso certamente deve estar óbvio. O que não está óbvio é como ela age - e como deveria agir - para identificar esse auto-interesse. A tarefa quase sempre é mais difícil do que os ingênuos realistas estão inclinados a supor. A afirmação se aplica à sua política em relação à Coréia do Norte. Ela se aplica da mesma forma à sua política em relação à taxa de câmbio.

O governo chinês parece acreditar que seu interesse está na manutenção de uma taxa de câmbio altamente competitiva pelo maior período de tempo possível. A experiência também indica que ela pode fazê-lo por um longo período de tempo. Mas deveria?

A teoria econômica indica que um país em desenvolvimento em crescimento acelerado deve ter uma taxa de câmbio real em valorização constante. Isso é conhecido como efeito "Balassa-Samuelson", em memória do falecido Bela Balassa da Universidade Johns Hopkins e do ganhador do prêmio Nobel Paul Samuelson, que o descobriram em separado.

O argumento é fácil de compreender. Economias contêm dois tipos de atividade: a negociável - bens industriais e serviços que podem ser fornecidos prontamente à distância - e a não-negociável - cortes de cabelo, assistência à infância e assim por diante. Com o desenvolvimento econômico, a produtividade no primeiro tipo de atividade tende a crescer num ritmo mais veloz do que no último.

Suponhamos, em prol da simplicidade, que estamos falando sobre um país pequeno com uma taxa de câmbio fixa. Além disso, o preço dos itens negociáveis será fixado no mercado mundial e o preço interno será o preço mundial multiplicado pela taxa de câmbio. O preço dos não-negociáveis aumentará em relação ao dos negociáveis, pois o custo das suas unidades de trabalho relativas estará aumentando. Isso explica por que cortes de cabelo são baratos nos países pobres e caros, nos ricos.

O que tudo isso tem a ver com a China? A resposta, como observou Andrew Smithers, da Smithers sediada em Londres, é que a valorização da taxa de câmbio real é o cão que não latiu.

Apesar da modesta mudança efetuada na política cambial em julho de 2005, a taxa de câmbio nominal do yuan pouco se mexeu desde janeiro de 1994. Considerando que a taxa de inflação da China tem se mantido abaixo da taxa de inflação dos EUA durante a maior parte dos nove anos passados, a tendência da taxa de câmbio real tem se inclinado na direção da desvalorização. De acordo com o JP Morgan, ela se desvalorizou em aproximadamente 7% desde janeiro de 1998.

A China, porém, parece preencher todas as condições para a valorização da taxa de câmbio real. Conforme assinala o Fundo Monetário Internacional no seu informe "Panorama Econômico Mundial" de setembro, o crescimento da produtividade na indústria tem sido, na média, cerca de três pontos percentuais ao ano mais veloz do que o crescimento verificado no setor de serviços desde 1979.

Se uma taxa de câmbio se desvaloriza, em vez de se valorizar, como se esperava, também seria de se esperar que a China se tornasse mais competitiva nos mercados mundiais. A experiência indica que este é o caso: atentemos para o impressionante crescimento das exportações chinesas e a disparada no superávit em conta corrente.

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Eu diria que atualmente existem três indicadores fundamentais de uma subvalorização significativa. Primeiro, a magnitude da intervenção exigida na taxa de câmbio; segundo, o fato de que a origem das receitas superavitárias de divisas estrangeiras reside atualmente num superávit em conta corrente, não nos ingressos de capital de curto prazo, relativamente instável; e, acima de tudo, que o superávit no equilíbrio básico - a soma da conta corrente com os ingressos de capital de longo prazo - representam no mínimo 10% do Produto Interno Bruto. Jonathan Anderson, do UBS, sugere que a subvalorização é de aproximadamente 20% (The Complete RMB Handbook, 18 de setembro de 2006, www.ubs.com/economics).

Segundo Smithers, a depreciação real progressiva do yuan é o que explica por que a emergência da China também tem servido como um fator de contenção das pressões inflacionárias para o mundo. Os preços dos produtos industriais que o país exporta realmente tenderam a cair em dólares. Mas este não precisava ter sido o caso. A combinação de uma taxa de câmbio nominal fixada virtualmente com uma taxa de câmbio real em depreciação foi o que a fez ficar assim.

Porque isso aconteceu, então? Não foi conseqüência de nenhum acidente. Pelo contrário, como observa Anderson, o governo se empenhou muito para obter este resultado.

Em circunstâncias normais, forças econômicas poderosas atuam contra uma taxa de câmbio real progressivamente subvalorizado. Conforme argumentou David Hume, o grande filósofo escocês, o mecanismo monetário é uma forma de obter esse resultado. A uma taxa de câmbio fixa, um superávit em conta corrente não compensado por uma correspondente saída voluntária de capital gerará um aumento na base monetária. Este aumento, por sua vez, deverá gerar expansão no crédito, excesso de demanda, aumento no nível de preços internos e uma valorização na taxa de câmbio real.

O superaquecimento, em suma, não é o problema e sim, a solução natural para uma taxa de câmbio real subvalorizada. Como observa Anderson, porém, a economia da China é suficientemente extensa, suficientemente fechada, suficientemente regulada e suficientemente rica em mão-de-obra para evitar que esse efeito se infiltre sorrateiramente.

O Banco do Povo da China foi capaz de esterilizar o impacto monetário decorrente das maciças aquisições de moedas estrangeiras, tarefa que assumiu para conter a taxa de câmbio. Além disso, considerando que a taxa de poupança geral da China é tão elevada e que seu mercado de capitais é suficientemente segmentado em relação ao resto do mundo, as taxas de juros internas estão cerca de um ponto e meio percentual abaixo das taxas atualmente recebidas sobre as suas reservas.

A esterilização - a venda de títulos mobiliários internos para enxugar o excesso de liquidez gerado pela intervenção oficial nos mercados cambiais - não só é viável, como também é altamente rentável, se estivermos preparados para ignorar o risco de uma enorme perda de capital no fim. No longuíssimo prazo, o gasto gerado pelas baixas taxas de juros internas realmente poderá produzir demanda e inflação em excesso, especialmente se a economia e o sistema financeiro forem liberalizados. Há poucos indícios, porém, de que isso seria iminente de alguma forma.

A discussão na coluna da semana passada concluiu que existe um argumento forte para que o governo chinês absorva o superávit de poupança internamente, no interesse do povo chinês. A discussão aqui, no entanto, conclui que o país pode evitar esse tipo de ajuste por um período de tempo muito longo, se desejar fazê-lo.

Portanto, as autoridades têm uma escolha. Qual delas deveria ser? Se elas decidirem reduzir o superávit em conta corrente, será que deveriam permitir uma valorização mais veloz da taxa de câmbio nominal ou superaquecimento e inflação mais célere? E como eles deveriam optar por expandir a demanda? Estes serão os temas da coluna final nesta série na próxima semana.