Título: Um ano depois, aftosa ainda prejudica país
Autor: Zanatta, Mauro
Fonte: Valor Econômico, 10/10/2006, Agronegócios, p. B12

Exatamente um ano depois do ressurgimento de focos de febre aftosa registrados em Mato Grosso do Sul e no Paraná, continuam em vigor as barreiras comerciais impostas por 57 dos principais importadores da carne brasileira.

Nesse período, apenas Rússia e Chile afrouxaram as restrições. Mas não abriram totalmente seus mercados aos exportadores brasileiros. E parecem ter um forte motivo para manter a postura. "Não temos como exigir uma reabertura completa dos mercados enquanto não pudermos demonstrar que todos os problemas estão solucionados", admitiu o secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Célio Porto, ao Valor.

Principal cliente do agronegócio nacional, a União Européia segue fechada às carnes produzidas em Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo. Os europeus ainda desconfiam da existência de aftosa em Mato Grosso do Sul. E recentemente visitaram o país apenas para conferir suspeitas em São Paulo.

"Não há um prazo específico nem cronograma de retomada [das compras de carne bovina]", afirmou ontem o comissário de Saúde e Proteção ao Consumidor da UE, o cipriota Markos Kyprianou. "Vai depender da avaliação que será feita no primeiro trimestre de 2007".

O comissário defendeu a manutenção do embargo como "decisão técnica" sem ligação com a imposição de barreiras comerciais ou protecionismo. "A UE é um mercado aberto e o Brasil tirou proveito disso", afirmou. E avisou que não cederá às fortes pressões internas na UE pelo banimento da carne brasileira. "Não sucumbimos a pressões. Tomamos decisões baseados no conhecimento científico e nos relatórios finais de missões", disse ele.

A Rússia, segundo maior comprador de carnes brasileiras, reabriu apenas para bovinos do Rio Grande do Sul, Mato Grosso, São Paulo e Goiás, e para suínos do Rio Grande do Sul. O Chile liberou só as importações de bovinos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina - e pode abrir para Tocantins e Rondônia nos próximos dias. A Argélia mantém restrições para todos os Estados do Norte, Nordeste, além de Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo. A África do Sul segue com o embargo a todo o Brasil desde outubro de 2005.

A crise da aftosa resultou no sacrifício de 33,8 mil animais em Mato Grosso do Sul e 6,8 mil no Paraná. O Tesouro Nacional gastou, no total, R$ 23,3 milhões com indenizações aos pecuaristas. As perdas também se traduziram na interrupção do crescimento das exportações do complexo carnes.

De janeiro a setembro de 2005, as vendas externas haviam crescido 33,8% na comparação com igual período de 2004. Nos primeiros nove meses deste ano, perderam fôlego, crescendo apenas 0,12%. O dinamismo nos embarques de carne bovina in natura recuou de 34%, em 2005, para 14,9% neste ano. Na carne suína in natura foi ainda pior. A elevação de 65,5% registrada até setembro do ano passado transformou-se numa queda de 19,7% neste ano. "Santa Catarina continua em situação difícil. Mas já retomamos neste ano, por uma média anualizada, os volumes de 300 mil toneladas embarcadas para a Rússia", disse Célio Porto.

Embora tenham causado prejuízos a exportadores, os problemas gerados pela volta da aftosa deixaram várias outras lições. Os frigoríficos tiveram que readequar suas plantas e redistribuir a produção pelo território nacional.

"A crise, com imagens fortes dos sacrifícios, serviu também como dez anos de campanha de educação sanitária pela vacinação do rebanho", afirmou o secretário do ministério. Veio à tona, ainda, a necessidade de reforçar os controles nas fronteiras e nos assentamentos da reforma agrária. "Ou os estados controlam e vacinam o gado dos pequenos, ou continuarão os problemas", afirmou.

O ressurgimento da doença também levou a uma discussão sobre a necessidade de ampliar os recursos para ações de defesa agropecuária. A área econômica do governo entendeu a importância da sanidade e suas implicações nas áreas tributária e de arrecadação, sobretudo nos Estados. "Teremos o melhor orçamento da história em 2007. E o assunto passou a ser tratado pelos governadores e não apenas pelos secretários de Agricultura", disse Porto. Para ele, a crise também serviu para que o Ministério da Agricultura passasse a usar como uma "arma de propaganda" a obrigação de informar a seus clientes sobre as questões sanitárias.