Título: AL absorve 40% dos manufaturados do Brasil
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2006, Brasil, p. A3

A região da América Latina e Caribe, que já compra mais de um quarto das exportações do Brasil, absorveu, sozinha, pouco mais de 40% das vendas brasileiras de manufaturados, como automóveis, celulares e máquinas brasileiras, entre janeiro e setembro deste ano. Nesse período, o crescimento das vendas de manufaturados para a América Latina foi de 22,7%, o dobro do aumento verificado para as outras regiões do mundo, na comparação com os mesmos meses de 2005. Os empresários da indústria não comemoram esse números positivos, porém. Reclamam que, em alguns casos, exportam apenas para não perder o mercado conquistado na vizinhança.

"Com o esfriamento do mercado interno, as empresas precisam exportar mais para manter a escala de produção, mesmo quando o resultado não é favorável", comenta o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Newton de Mello. "O setor de máquinas exporta em média 40% do que é produzido; não é uma fatia de que possamos abrir mão."

São os manufaturados que vêm garantindo a maior parte dos recordes de exportação registrados mensalmente pelo Brasil. Em setembro, a taxa de crescimento das vendas desses produtos (17%) foi inferior a das outras categorias de produtos (os semimanufaturados, como açúcar em bruto, celulose e ferro fundido aumentaram as vendas em quase 47%). Mas esse segmento teve o maior aumento absoluto - quase US$ 700 milhões -, o que elevou a inéditos US$ 6,6 bilhões o total das vendas de celulares, automóveis, autopeças e outros manufaturados, como gasolina, plásticos e laminados de aço.

"O Brasil tem grande competitividade na região e muitas empresas transnacionais criaram aqui plataforma de exportação para a América do Sul", confirma o diretor de Comércio Exterior da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Roberto Gianetti da Fonseca, que lista entre os produtos fabricados no país para venda na vizinhança os automóveis, celulares e tratores. A proximidade geográfica e os acordos de preferências comerciais no continente garantem a competitividade do país na disputa pelos mercados vizinhos, embora a valorização do real venha corroendo essa vantagem, segundo a Fiesp.

No caso do setor automobilístico, os índices de aumento de vendas são impressionantes. Entre janeiro e agosto, mês com últimos dados disponíveis, o crescimento das vendas de automóveis à Argentina foi de quase 30%; ao México, de 9% e aos países andinos (especialmente Venezuela, Colômbia e Peru), 31%. As vendas de automóveis para a América Latina, que representavam 41% do total de janeiro a agosto de 2004, chegaram a quase 43% no mesmo período em 2005 e alcançaram 45,5% nos primeiros oito meses deste ano.

"Para compensar os custos, os exportadores têm sido obrigados a aumentar os preços e isso traz em contrapartida a redução de volumes vendidos", diz o presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Rogélio Golfarb. "O aumento de preço tem limite e pode nos alijar dos mercados: precisamos de acordos comerciais internacionais para ter maior acesso", afirma, de olho nos consumidores de países como México e Venezuela, com quem o Brasil já tem tratados que a Anfavea quer ampliar.

No caso da Venezuela, que ingressou no Mercosul neste ano, a indústria automobilística prevê o livre comércio em 15 anos, prazo que Golfarb quer ver diminuído, nas negociações para a incorporação do país à união aduaneira. Com o México, o esforço é de ampliar o atual acordo, que fixa uma cota de vendas para a indústria brasileira, de 210 mil unidades neste ano. Com o argumento de que a cota ainda não foi preenchida, a Anfavea defende avançar para o livre comércio, que estimularia investimentos das indústrias nos dois países. "O México tem escala para produção de carros de luxo, que começam a ganhar mercado no Brasil", diz Golfarb.

Apesar do seu otimismo, um dirigente de montadora informa que algumas empresas vêm reduzindo seus volumes de venda ao México, devido à perda de competitividade. Estudo da Fiesp mostra, porém, que uma parcela importante das exportações vem sendo feita à custa da redução das margens de lucros, ou até com risco de prejuízos para as empresas.

Os economistas da Fiesp dividiram as exportações em três categorias: as que têm mercado externo favorável, com preços em reais acima de 10% da média dos últimos seis anos; as que têm margem para sustentar as vendas, apesar de o mercado ser desfavorável (com preços, em reais cerca de 10% acima ou abaixo da média dos últimos seis anos); e aquelas nas quais os preços estão mais de 10% abaixo da média e, portanto, além de enfrentar um mercado que não é favorável. Descobriram que, já em 2005, estavam nessa última categoria 60% das vendas para a Argentina, 64% para o México e 40% para o resto da região.

Esses números ajudam a explicar porque, entre agosto e setembro, houve uma ligeira redução (de 23,3% para 23,1%) na taxa de crescimento das vendas de manufaturados e porque vem aumentando o interesse dos produtores nos mercados andinos, como os da Venezuela e do Peru, que, em crescimento como todos os outros do continente, mostram dinamismo para absorver os produtos de um Brasil com moeda valorizada.

"A verdade é que a elevação dos preços das exportações brasileiras está muito mais baseada em condições de mercado favoráveis que em um processo de aumento no valor adicionado da pauta de exportações", analisa o gerente do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da Fiesp, André Rebelo. "Países como o Chile, Colômbia e Peru estão crescendo muito, e têm um potencial importante", insiste Newton de Mello, da Abimaq, que defende maior esforço para acelerar a integração do Peru no Mercosul.

Algumas empresas têm histórias de sacrifícios para explicar o crescimento das vendas. "A tendência é aumentar nossas vendas, para reduzir o custo fixo; mas a empresa que exporta muito corre o risco de quebrar, porque não recebe os créditos do ICMS", diz Rubens Dias de Morais, presidente da Jumil, fabricante de máquinas agrícolas. Em 2005, a empresa sofreu uma queda dramática nas exportações, de US$ 12 milhões do ano anterior, para US$ 6,5 milhões. Neste ano, depois de reduzir seu quadro de pessoal de 780 empregados para 400, já sente uma recuperação nas vendas e deve chegar a US$ 8 milhões. "Estamos perdendo clientes até para os europeus, com esse câmbio, mas estamos procurando abrir novos mercados", diz.