Título: Investimento cai no PIB e sugere riscos para oferta futura
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Fonte: Valor Econômico, 03/09/2012, Brasil, p. A4

O Produto Interno Bruto (PIB) do segundo trimestre consolidou, entre analistas, a percepção de que a capacidade do país de crescer no futuro, sem pressões inflacionárias, encolheu e estaria hoje entre 3% e 3,5%. Com o crescimento de 0,4% no PIB do segundo trimestre sobre o primeiro, na série com ajuste sazonal, conforme divulgado na sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil acumulou crescimento de 1,2% em 12 meses.

Além de pequeno, esse resultado embute queda de 0,3% no investimento (medido pela demanda em máquinas e equipamentos e na construção civil, indicador conhecido como formação bruta de capital fixo), associado a um aumento de 2,5% no consumo das famílias e de 2.2% na demanda do próprio governo, enquanto a oferta interna de bens industriais encolheu 2,9%.

Para economistas, o "caldeirão" composto por queda no investimento, consumo ainda em expansão e um desemprego cadente, reduziu o chamado PIB potencial, indicador que aponta a capacidade do país de atender à demanda sem riscos de oferta.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, não concorda com essa visão. Segundo ele, as empresas no Brasil se prepararam para uma expansão da demanda de até 6% ao ano, e por isso hoje têm capacidade ociosa. "Os investimentos vinham ocorrendo, houve desaceleração por causa da crise, mas a retomada é rápida", disse ao comentar os dados do PIB, na sexta-feira.

Por isso, Mantega discorda da avaliação de que o resultado do PIB aponte riscos de oferta para o futuro, em função dos dados de retração da indústria e de queda do investimento. "Nós temos um problema maior de demanda, em função do crédito, do que de oferta nesse momento", disse.

Na avaliação de Emerson Marçal, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), o investimento é a questão-chave para que a economia brasileira volte a crescer em média 4% ao ano. Ele acredita que as medidas que o governo já tomou terão impacto na atividade no curto prazo, mas ainda falta uma agenda para garantir crescimento sustentável próximo ao PIB potencial.

"A economia brasileira precisa acertar condições que favoreçam um aumento do investimento produtivo no país. Para isso, falta uma agenda microeconômica mais cautelosa, que considere questões tributárias, que aumentam o custo Brasil, a resolução dos enormes gargalos em infraestrutura, que também atrapalham o crescimento, e a qualificação da mão de obra", pondera Marçal. A recente queda dos juros ajuda, mas não é suficiente, avalia ele.

Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central, estima que o PIB potencial está hoje entre 3% e 3,5%, "com boa vontade". " O problema do PIB está muito mais do lado da oferta que no da demanda. Tentar resolver isso com aumento do consumo, como tem feito o governo, só provoca inflação, como já temos visto", diz ele.

Para Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, a retração de 0,7% na formação bruta de capital fixo, quarto trimestre consecutivo de queda dos investimentos, não surpreendeu, porque a consultoria já projetava resultado negativo para o indicador.

"Se olharmos que o setor industrial também recuou 2,5% no segundo trimestre, fica claro que a economia não tem conseguido criar capacidade de crescimento para o futuro", afirma Campos Neto, destacando que a taxa de investimento, de 17,9% do PIB, voltou a cair e ficou no menor patamar desde o segundo trimestre de 2009. Para ele, é um sinal negativo, que fragiliza o potencial de crescimento da economia brasileira, calculado em 3,5% pela Tendências.

No primeiro semestre, a participação da indústria de transformação no PIB ficou em apenas 12,8%, menor índice da série histórica do IBGE. Para Silvia Matos, coordenadora do grupo de conjuntura do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, a indústria está muito fraca e sua falta de competitividade também reduz a capacidade de crescimento do país. "Esse número do PIB mostra problemas estruturais de toda a indústria", diz ela. "A questão é: passado esse ciclo, qual o nosso potencial de crescimento. Somos capazes de crescer 1% por trimestre? ", questiona ela.

Rodrigo Branco, economista da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior (Funcex) observa que o crescimento de 1,9% nas importações no segundo trimestre, na comparação com o primeiro trimestre, mostra que boa parte da demanda doméstica ainda continua sendo coberta pelas compras externas. Branco lembra que a penetração das importações é estrutural em muitos setores e, por isso, medidas de incentivo à produção, como a desoneração da folha, têm efeitos limitados. Isso significa, diz, que segmentos como vestuário e calçados precisarão se adaptar às novas condições, com redução de linhas de produção, investimento em inovação, agregação de valor e fortalecimento de marcas.

O crescimento das importações, agravado pela queda nas exportações foi o maior responsável pelo crescimento "fraco" do PIB no trimestre, segundo o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otávio de Souza Leal. No período, as exportações caíram 3,9% frente ao primeiro trimestre de 2012 e as importações cresceram 1,9%. "Esse vazamento externo tirou 0,7% do PIB", avalia.

Na sexta-feira, o ministro da Fazenda voltou a afirmar que a economia está se acelerando gradualmente e que o resultado do segundo trimestre, embora longe de ter sido excepcional, mostra um ritmo de expansão mais forte do que no primeiro trimestre, quando o PIB avançou 0,1%, de acordo com dados revisados pelo IBGE. "Felizmente, já estamos no segundo semestre, quando o desempenho da economia será bem melhor", disse Mantega, ao reafirmar que a economia deve chegar ao último trimestre de 2012 em ritmo de crescimento próximo de 4% ao ano.

O professor da Unicamp e sócio da Edgard Pereira & Associados, Edgard Pereira, é mais cético. Para ele, o país voltou "ao modelo voo de galinha, de administrar a demanda agregada via mecanismos de consumo". Até o fim do ano, diz, há uma recuperação prevista, que dará impulso para uma alta maior do PIB em 2013. "Para sair desse movimento, é preciso um choque de investimento centrado na infraestrutura", diz. Em parte, as últimas medidas apontam nessa direção, mas é preciso mais, afirma.