Título: Novas falhas colocam Enem na berlinda
Autor: Kleber, Leandro;
Fonte: Correio Braziliense, 08/11/2010, Brasil, p. 7

Ministério Público Federal e OAB estudam pedir a anulação do Exame Nacional do Ensino Médio caso fiquem configurados erros graves. Estudantes lamentam

A aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), encerrada ontem como forma de seleção unificada para 83 mil vagas em instituições públicas de ensino superior no país, não significa fim da angústia dos estudantes. Marcado por problemas como cabeçalhos de prova discordantes dos títulos das folhas de respostas e suspeita de vazamento de questões pelo Twitter, o exame poderá ser anulado. O Ministério Público Federal em São Paulo deve analisar as falhas ocorridas hoje e, se considerar necessário, pedirá a invalidação das provas. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) classificou o episódio ¿desastroso e lamentável¿. Presidente da entidade, Ophir Cavalcante não descarta trabalhar, também, pelo cancelamento da seleção. ¿Tudo será possível, desde a anulação das provas, com a repetição dos testes, até o aproveitamento do exame¿, assinala.

Em entrevista coletiva ontem à noite, Joaquim José Soares Neto, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ligado ao Ministério da Educação e responsável pelo Enem, afirmou que o processo de realização das provas foi feito de maneira segura e tranquila e que cada caso apresentado pelos candidatos será analisado. ¿O processo do Enem é complexo e humano. São mais de 350 mil pessoas trabalhando na realização do exame, além de 6 mil profissionais dos Correios e policiais de todos os estados do país. Evidentemente, está sujeito a falhas. Mas não houve qualquer problema relacionado à garantia da segurança e do sigilo dessa operação. Por isso acredito que foi um sucesso¿, avalia.

O físico Leandro Tessler, coordenador por sete anos do vestibular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), considera que a iniciativa do Enem como um processo seletivo a ser utilizado pelas instituições de ensino superior é vantajoso e que os problemas não podem minimizar as qualidades do atual aspecto de seleção. Porém, o especialista acredita que houve erros na edição deste final de semana. ¿Talvez tenha sido falta de revisão, um descuido antes de o material ter sido enviado à gráfica. Já tínhamos observado problemas variados com as provas, antes, relacionados à proteção de dados e a detalhes logísticos. Tudo o que ocorreu é muito ruim para o processo¿, comenta o atual coordenador de Relações Internacionais da Unicamp.

A candidata Letícia Caixeta Mesquita, de 18 anos, também reclamou de algumas regras deste ano e do gabarito trocado de sábado . ¿Não gostei da proibição de relógio. Fiquei perdida, pois não sabia que horas eram. Foi terrível. Quanto ao erro do gabarito de sábado, nós, candidatos, é que tivemos de avisar aos fiscais sobre a situação. Eles não sabiam¿, lamenta a estudante. Para a jovem Lohanna Lima Pires, que também fez a prova neste fim de semana, problemas dessa natureza impedem que mais universidades utilizem o Enem como vestibular. ¿Queria odontologia na UnB. Mas, pelo Enem, não tem como¿, reclama.

Requerimento Quem se sentiu prejudicado pela troca do cabeçalho do gabarito deverá elaborar um requerimento no site do MEC a partir de quarta-feira até o próximo dia 16. Uma falha de impressão nas provas amarelas aplicadas ontem também serão objeto de verificação da pasta. De acordo com Neto, presidente do Inep, cada caso será analisado. ¿Todos os estudantes serão atendidos. Não adianta ficar procurando responsáveis pelos problemas agora. Nós vamos apurar. Quanto ao caso do erro de impressão do caderno de provas amarelo, nós ainda estamos levantando a dimensão do problema. Sabemos que alguns alunos não tiveram as provas trocadas pelos fiscais¿, afirma. Ophir Cavalcante, da OAB, é mais radical. ¿Pelo que tentaram explicar, está configurada incompetência, em um caso que traz dinheiro público envolvido. O esperado é que haja seriedade nessas questões¿, enfatiza o presidente da entidade.

Ameaça pela web O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) bombou ontem no Twitter, aparecendo entre os trending topics (assuntos mais comentados), na maioria das vezes como motivo de piada. Foi por meio da rede social também que o Ministério da Educação ameaçou estudantes que ¿tumultuaram¿ o processo na internet. Utilizando uma linguagem no mínimo inapropriada, a pasta postou a seguinte mensagem: ¿Alunos que já dançaram no Enem tentam tumultuar com msgs [mensagens] nas redes sociais. Estão sendo monitorados e acompanhados. Inep pode processá-los¿. Por meio da assessoria, o Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) explicou que uma equipe identificou que grande parte dos usuários do Twitter não estava fazendo as provas, mas brincando na internet.

Outro episódio que coloca o Enem mais perto de um caso de polícia do que de uma avaliação educacional ocorreu em Pernambuco. Lá, um repórter do Jornal do Commercio que estava inscrito no exame entrou na sala com um celular ligado no bolso. Após receber o caderno de provas, foi até o banheiro, de onde mandou uma mensagem pelo celular informando o tema da redação. Na coletiva de ontem, o presidente do Inep, Joaquim Neto, afirmou que a Polícia Federal foi acionada e que a instituição poderá processar o repórter por ter cometido ¿ato ilícito ao atentar contra as regras do exame¿. Para o MEC, o fato de um repórter ter conseguido informar qual era o tema da redação de dentro de um local de prova não configura falha de segurança ¿ já que ele não usou o aparelho dentro da sala de aula nem recebeu informações sobre a prova por meio do aparelho. (LK)

Análise da notícia Só com pistolão » Luiz Carlos Azedo

O grande rito de passagem na vida dos jovens brasileiros é o exame vestibular das universidades. É um tormento que mobiliza suas energias e recursos, muitas vezes sob pressões familiares quase insuportáveis. O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), criado para livrar os jovens desse falso tudo ou nada, enveredou pelo mesmo caminho. Neste final de semana, mais uma vez, se transformou num drama para milhares de jovens.

Gabaritos com cabeçalho invertido, desencontro de informações em locais de prova, vazamento do tema da redação e outras falhas tumultuaram as provas. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais garante que os candidatos prejudicados poderão recorrer, mas o estrago já está feito.

O ministro da Educação, Fernando Haddad, diante do ocorrido, mergulhou. Está cotado para continuar no cargo no governo Dilma Rousseff. Mesmo depois do vexame internacional do Brasil no quesito Educação, precisará de um bom pistolão. Ainda somos um dos países com maior número absoluto de analfabetos, ocupando a 92ª colocação nesse item do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).