Título: Mudança na lei eleitoral aumenta número de parentes eleitos à Câmara
Autor: Felício, César
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2006, Política, p. A8

A nova Câmara de Deputados que tomará posse em fevereiro concentrará ainda mais o poder regional nas mãos de poucas famílias. O Valor identificou pelo menos 91 parlamentares eleitos este ano com alguma relação de parentesco com outros políticos de projeção anterior em seus Estados. O mesmo levantamento em relação a 2002 mostrava 74 deputados.

As novas regras eleitorais, que entraram em vigor este ano, diminuíram a visibilidade de novos candidatos, ao proibir outdoors, showmícios e brindes, dando vantagem a sobrenomes conhecidos. E a exigência da cláusula de barreira fez com que os partidos ameaçados escalassem seus sobrenomes de maior projeção para disputar a eleição. Neste grupo de 91 parlamentares, o PSB é maior que o PT: elegeu oito deputados, ante sete petistas. Mas os partidos fora do espectro da esquerda predominam: o PMDB elegeu 19, o PSDB, 15, e o PFL, 14.

Segundo Antônio Augusto de Queiroz, consultor do Diap, a construção de um clã passa por etapas: o primeiro estágio é o da candidatura de cônjuges, em geral as primeiras-damas, que se destacaram pelo trabalho social no município ou no Estado. Na nova Câmara, há doze esposas, entre elas Iris Araújo, deputada mais votada de Goiás, casada com o prefeito de Goiânia, Iris Rezende, um ex-governador. Apenas duas são do Nordeste.

O segundo estágio, quando o clã já está consolidado, é o da eleição de filhos, netos, irmãos e sobrinhos. O último estágio é o do parentesco múltiplo, quando um deputado não tem um, mas vários ascendentes com tradição política. É o caso de Ronaldo Caiado (PFL-GO), descendente de dois governadores e três parlamentares, ou de Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), descendente de José Bonifácio, "patriarca da Independência" e principal liderança política do Primeiro Império.

"Nos Estados menores houve um índice relativamente alto de desistências de recandidaturas por fatores regionais. Nestes Estados, as vagas são poucas e um novo nome em geral só surge quando recebe uma base de eleitores de alguém que não se reapresentou, abrindo espaço para parentes das lideranças mais importantes", afirma Queiroz.

Em Pernambuco, dez dos 25 deputados federais têm parentes importantes, ante nove na eleição passada e no Maranhão a força familiar caiu de sete para seis deputados. Mas é no Estado campeão da tradição familiar, o Rio Grande do Norte, que a descrição de Queiroz se encaixa com perfeição. Cinco dos oito deputados eleitos este ano possuem relação de parentesco. Em 2002, foram quatro nesta condição.

Os laços de família no Rio Grande do Norte se estendem uma teia de partidos. A governadora Wilma de Faria (PSB) conseguiu eleger o ex-marido, Lavoisier Maia, e a filha, Márcia Maia, como deputados estaduais. Seu desafiante, Garibaldi Alves Filho (PMDB), ele próprio sobrinho de um ex-governador, colocou o pai na suplência da nova senadora pefelista Rosalba Ciarlini (casada com um integrante da dinastia Rosado, de Mossoró), e o filho Walter Alves como deputado estadual. O primo, Henrique Eduardo, elegeu-se deputado federal pelo décimo mandato consecutivo.

O senador José Agripino Maia (PFL) - que é primo de Lavoisier - emplacou o filho, Felipe Maia, como deputado federal. Fábio Faria (PMN), filho do presidente da Assembléia Legislativa, Robinson Faria, tornou-se o segundo deputado do país em votação proporcional, atrás apenas de Ciro Gomes (PSB). Dono de uma academia de ginástica, jamais havia disputada uma eleição antes de receber 195 mil votos (12% da votação para deputado federal no Estado).

A "renovação" da bancada potiguar só se tornou possível com a desistência da recandidatura de Ney Lopes (PFL), candidato a vice na chapa de Garibaldi, abrindo caminho para Felipe Maia. Iberê Ferreira (PP) também saiu da disputa da Câmara para compor como vice a chapa de Wilma, deixando livre o terreno para Fabio Faria.

"Por ser filho de José Agripino, eu não podia entrar para desagregar nosso grupo. Com a ida do Ney Lopes para a chapa majoritária, precisávamos de mais um nome forte para compor a proporcional e só aí entrei. Mas este clã não existe. Fui eleito, e não nomeado deputado. Venci como poderia ter perdido", disse Felipe Maia.

A estrutura partidária fluida também colabora para a tradição dinástica. "A fragilidade partidária realça os grupos familiares como protagonistas políticos e em colégios eleitorais pequenos a lógica é bipolar", explica o cientista político João Emanuel Evangelista, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).

Há vários fatores, entretanto, que amortecem a força do fenômeno, mesmo no Rio Grande do Norte. "Diferente do que ocorria nos anos 80 e 90, já há parlamentares que representam grupos sociais, como os reeleitos Nélio Dias (do PP, ruralista) e a petista Fátima Bezerra (vinculada ao funcionalismo)", disse Evangelista.

"É importante ponderar que em muitos casos o parentesco não significa uma subordinação política", disse Queiroz, citando os casos da deputada Luciana Genro (P-SOL-RS), que fez oposição ao próprio pai, o petista Tarso Genro, hoje o coordenador político do governo, quando este foi prefeito de Porto Alegre, entre 1993 e 1996. Queiroz lembra ainda os casos de Sarney Filho (PV-MA) e Rita Camata (PMDB-ES). "Eles entraram na política pelo parentesco, mas hoje ganharam espaço político próprio, mesmo pertencendo ao mesmo grupo político dos seus familiares", disse.

Ainda há casos em que a relação de parentesco não foi determinante para a entrada na política. Em Pernambuco, os deputados Roberto Magalhães (PFL), José Múcio Monteiro (PTB) e Armando Monteiro (PTB) são primos, mas estão longe de integrar um único clã.