Título: Depoimento foi o mais revelador da CPI
Autor: Junqueira, Caio
Fonte: Valor Econômico, 29/08/2012, Política, p. A6

Quem esperava alguma bomba ser anunciada pelo ex-diretor-geral do Dnit Luiz Antonio Pagot se frustrou. Mas na comparação com os outros enfadonhos e irrelevantes depoimentos da CPI do Cachoeira, o de ontem pode ser considerado o que mais iluminou os trabalhos da comissão, dando-lhe o evidente caráter nacional que a tropa de choque governista teimava em refutar.

Isso ocorreu a partir do momento em que Pagot relatou algo que até os pilotis de Brasília sabem existir: as relações cruzadas entre governos, partidos e campanhas eleitorais - um dos objetos, inclusive, da CPI. Afinal, bateram à porta do gabinete de Pagot o deputado José di Filippi (PT-SP), tesoureiro da campanha da presidente Dilma Rousseff; a então senadora Ideli Salvatti, hoje ministra das Relações Institucionais, à época candidata a governadora em Santa Catarina; e Hélio Costa, ex-ministro das Comunicações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que disputou e perdeu o governo de Minas Gerais.

Todos três lhe pediram, em audiências que deveriam discorrer sobre obras e transportes, recursos para suas campanhas. Embora apenas Filippi tenha obtido o mimo, em nome, nas palavras de Pagot, "do arco de alianças que representava", a ofensiva sobre um dos órgãos onde mais passam recursos financeiros da Esplanada mostra que, se quiser, a CPI pode avançar. Isso porque a sala que abrigou as reivindicações eleitorais é a mesma que fez da construtora Delta uma das principais contratantes do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Foi tudo dinheiro legal, garantiu Pagot, que até deu a quantia estimada de seu esforço pró-Dilma: cerca de R$ 6 milhões. Mas a pergunta é inevitável: foi só ali que se deram pedidos como esses? Todas as doações em decorrência de ofensivas como essas foram legais? Não custa lembrar que tanto no prédio vizinho, o Supremo Tribunal Federal, quanto na Justiça de Minas Gerais, os dois principais partidos do país, PT e PSDB, estão em julgamento justamente por conta de relações como essa, em que atos públicos se tornam privados e o dinheiro público escorre pelas valas das campanhas.

Eis a chance, portanto, de a CPI que caminhava para final melancólico se redirecionar e extrapolar os limites do Centro-Oeste, onde até hoje a maioria governista da comissão quer crer que as relações suspeitas do bicheiro Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com autoridades, começavam e acabavam.

Se para os governistas isso é insuficiente, Pagot deu outro sinal: revelou que esteve com o ex-senador Demóstenes Torres em um jantar no qual também estava Fernando Cavendish, o ex-dono da Delta, além de diretores da empresa. Ali, Demóstenes o conduziu a uma sala reservada onde, "a sós", perguntou se haveria recursos para obras do PAC 1 e PAC 2. Na sequência, solicitou obras para a Delta no Estado do Mato Grosso. Pagot disse ter negado o favor e se retirou do jantar.

Entretanto, confirmou que Cavendish não só conhecia Demóstenes, como já esteve com ele no mesmo ambiente em que um pedido que beneficiaria sua empresa lhe foi feito. O que, por si só, contradiz o empresário, que já havia feito declarações à imprensa de que nunca vira o ex-senador.

Incluir Cavendish no jogo abre a possibilidade de trazer o Rio do governador Sérgio Cabral (PMDB) de volta ao cenário da CPI, tendo em vista que, além da amizade entre empresário e governador, é um dos Estados onde a Delta mais tem obras. Neste aspecto, o PMDB, submerso na CPI desde que a convocação de Cabral foi rejeitada, deve voltar a se mexer. Outro ponto negativo ao PMDB foi levantado por Pagot. O ex-diretor do Dnit revelou ter ouvido manifestação do ex-senador de que após a posse de Dilma pensava em integrar a base aliada e se transferir ao PMDB.

Se feriu PT e PMDB, o depoimento de Pagot foi benéfico para a oposição. De longe, foi a que mais lucrou com sua fala. Além de levar os holofotes para a arrecadação financeira da campanha de Dilma e colocar Cavendish de novo no jogo, disse ser "conversa de bêbado" ou "conversa de botequim" as insinuações que lhe foram feitas "por um amigo" no restaurante de Brasília Dom Francisco - conhecido ponto de encontro de políticos, jornalistas e lobistas.

Ali, ouviu que um aditivo de R$ 260 milhões que o então diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, insistia que o governo federal avalizasse tinha por objetivo financiar campanhas de Serra, então governador de São Paulo, de Geraldo Alckmin e do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD). Pagot bem que passou adiante o relato a uma revista, que, depois, "desvirtuou" suas palavras. Culpa do jornalista.