Título: Briga por R$ 500 bilhões
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 08/11/2010, Economia, p. 11

Governistas entram em disputa fratricida para comandar fundações de previdência. Roger Agnelli, presidente da Vale, torna-se alvo A Esplanada dos Ministérios e as empresas estatais não são as únicas joias que a presidente eleita, Dilma Rousseff, poderá dispor para montar seu governo. Entram também no rateio de cargos a seus principais apoiadores, especialmente figurões do PT e do PMDB, os poderosos fundos de pensão, entidades cuja gestão já suscita uma verdadeira guerra nos bastidores do poder. Todos cobiçam uma fatia dos recursos geridos por essas fundações, uma fabulosa quantia de R$ 500 bilhões. Parte dessa montanha de dinheiro vai bancar as maiores obras de infraestrutura do país, algumas delas, como o trem-bala, propagandeadas como as vitrines do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Mas, além de um cofre abarrotado ¿ habitualmente usado para barganhar vantagens e viabilizar políticas públicas ¿, a base aliada debate-se em torno de um gigantesco cabide de empregos. São mais de 8 mil cargos e salários que variam de R$ 20 mil a R$ 30 mil mensais, fora os bônus pagos ao gestor. Mais que vagas para abrigar cabos eleitorais, as fundações têm poder para decidir sobre postos-chaves nas empresas nas quais participam do controle. Foi diante desse cenário que Dilma, antes mesmo de assumir o poder, já escalou os três maiores fundos ¿ Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa) ¿ para uma missão especial: destituírem Roger Agnelli da Presidência da Vale. A ordem é que as três fundações se unam ao Bradesco para pôr um ponto final à gestão do executivo, especialmente depois que ele se tornou um desafeto do governo e do PT.

Por repetidas vezes, Agnelli reuniu-se com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, prometeu implantar projetos faraônicos, mas nunca os executou. Na visão de um técnico do Ministério da Fazenda, a proximidade do Bradesco e do Banco do Brasil em operações comerciais e o interesse do banco privado em possíveis benefícios oriundos dessa relação pavimentou o caminho para o desejo de Dilma. ¿Agora ficou mais fácil um acerto¿, avaliza o funcionário.

Manobras Agnelli já deve estar em busca de um novo emprego. O acordo entre os acionistas que o colocou no cargo vence no próximo ano. Para substituí-lo, a presidente eleita tem uma lista com quatro candidatos: Antônio Pallocci, deputado federal e coordenador da equipe de transição do governo; Guido Mantega, atual ministro da Fazenda; Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), que também é acionista da Vale; e Aldemir Bendine, hoje no comando do Banco do Brasil. Bendine, aliás, foi o responsável pela nomeação do atual presidente da Previ, Ricardo Flores. Em nota, a Vale nega intenção de seus controladores de realizarem mudanças no comando da empresa.

Desde que foi privatizada, a Vale entrou em um turbilhão de polêmicas e, mesmo tendo se tornado empresa privada, nunca deixou de ser manobrada pelo governo, que a opera por meio dos fundos de pensão ¿ presentes na mineradora desde sua desestatização. Foram também os fundos de pensão que viabilizaram, no governo Fernando Henrique Cardoso, a privatização do sistema Telebrás, e mais recentemente, já na gestão de Lula, a transformação da Oi em uma supertele nacional. Não por acaso, Previ, Petros e Funcef também foram recentemente convocados por Lula para garantir a competição no leilão da mega-hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, quando a iniciativa privada ameaçou esquivar-se do empreendimento ¿ um dos maiores e mais caros do PAC.

Rateio Tradicionalmente, o partido de quem assume a Presidência da República ocupa espaço de destaque entre as entidades previdenciárias. Hoje no comando de nove dos 15 fundos mais importantes do país, o PT vai brigar para manter sua posição. A sigla têm nas mãos pelo menos metade de todos os recursos do setor previdenciário: cerca de R$ 250 bilhões.

Mais forte após vencer as eleições em aliança com o Dilma, o PMDB também promete não deixar barato. Nos oito anos da gestão petista, ficou com cinco fundos de pensão mais importantes e nada menos que R$ 16,6 bilhões. Entre as entidades de previdências de destaque, até a oposição teve espaço. O Centrus, dos servidores do Banco Central, está com o PSDB.

A tendência, segundo uma fonte com trânsito tanto no governo quanto entre os aliados, é de que administração Dilma não faça mudanças radicais na configuração das entidades. ¿Com uma base aliada tão grande, a preocupação principal do PMDB é não perder os espaços que conquistou. O problema é que ninguém quer abrir mão. O que se espera é que as divisões sejam feitas proporcionalmente às bancadas no Congresso¿, diz.

A ingerência dos partidos entre os fundos é clara. Filiado ao PT desde 1983, Guilherme Lacerda, presidente da Funcef, por exemplo, nem precisou se desincompatibilizar do cargo quatro meses antes das eleições para concorrer ao pleito. A apenas um mês da disputa, ele se licenciou para dedicar-se à campanha de deputado federal pelo Espírito Santo. Deixou no lugar um presidente laranja, o ex-diretor de benefícios Carlos Alberto Casér. Mas a empreitada de Lacerda rumo ao Congresso não deu certo e o ex-presidente retomou seu posto na Funcef há pouco mais de um mês.

O que preocupa, de fato, diante da guerra fratricida entre os aliados pelo comando dos fundos de pensão, é a destinação que será dada aos recursos e a garantia de aposentadoria complementar de seus associados. Regras rígidas para investimentos buscam proteger o patrimônio das fundações. Mas há erros históricos, como os desembolsos em parques temáticos, que geraram prejuízos. O Trem de Alta Velocidade (TAV), que ligará o Rio de Janeiro a São Paulo, mais conhecido como trem-bala, merece atenção. Avaliado em R$ 35 bilhões, o megaprojeto é considerado arriscado na visão de especialistas em fundos. Mas o PT, o PMDB e Dilma Rousseff não parecem preocupados com esse aspecto agora.