Título: Política econômica está fora do debate eleitoral
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2006, Opinião, p. A12

Com a passagem da eleição presidencial para o segundo turno e o acirramento da retórica dos candidatos, a discussão de programas tem sido feita aos golpes do acaso, fora dos debates formais dos candidatos. Tanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como Geraldo Alckmin, seu rival tucano, estão apresentando generalidades que mais contribuem para embaralhar as diferenças entre eles do que demarcá-las. Bastou o economista Yoshiaki Nakano, que esteve imerso nas discussões sobre o programa de Alckmin, apresentar algumas propostas claramente, para receber desmentidos indignados dos tucanos e um coro de críticas de ministros e auxiliares do presidente Lula, mesmo que alguns dos alvos sejam idéias que já habitaram mentes petistas.

O espanto dos tucanos chamou mais a atenção. A fúria de parte das hostes tucanas indica a divisão entre os ortodoxos -em geral alinhados com a equipe de comando na gestão de Fernando Henrique - e a ala que rejeita suas receitas e quer uma agenda de crescimento rápido. Várias reações se alinharam nas críticas a Nakano. Uma que, menos do que as palavras do economista, se importa com o fato de que ele está apresentando o "verdadeiro" programa de governo de Alckmin, descartando o que pensam os ortodoxos do PSDB - embora o economista tenha deixado claro que não falava em nome de ninguém, nem tinha ambições políticas. Outra foi a de que os tucanos estariam acenando com um programa de cortes pesado para ajustar as contas públicas e esse tema, muito longe de ganhar votos, é impopular e está sendo explorado de forma temerária pela campanha de Lula. Uma terceira diz respeito a questões que são bastante polêmicas e vão além da questão fiscal - envolvem quase um novo modelo de condução da política econômica.

Em primeiro lugar, Nakano não disse nenhuma novidade sobre o que pensa. Ele repetiu suas idéias de entrevistas passadas e de artigos no Valor, onde é colunista. Na parte fiscal, sua proposta de zeragem do déficit nominal com corte de 3,4% do PIB nos gastos públicos não deveria ter motivado uma apressada reprimenda de Alckmin - "não corta não, isso não está no meu programa". Na verdade, a proposta de Alckmin é de um corte maior, de 4,4% do PIB em quatro anos de mandato. Nakano não apresentou o calendário anual como uma necessidade ou fatalidade, mas como possibilidade. Em segundo lugar, o programa de Alckmin é tão vago que parece feito para agradar gregos e troianos. Entre suas receitas de ajuste fiscal estão: "evitar desperdícios", "introduzir os princípios de racionalidade e eficiência na utilização dos recursos" e "seguir princípios éticos de gestão". Todo mundo sabe que um "choque de gestão" é mais do que isso e não é exatamente indolor.

Nakano tocou na delicada questão cambial. Com forte ajuste fiscal e redução dos juros, é possível que haja uma nova revoada de dólares para o país de imediato, dado o ambiente favorável produzido pelas mudanças, e só nessa eventualidade seria razoável se pensar em controle de capitais, embora isso não seja uma fatalidade, como esclareceu. O governo deveria manter o câmbio competitivo sempre, evitando flutuações bruscas no sentido da valorização e atuando com um fundo de estabilização cambial que não estaria nas mãos do Banco Central, mas do Tesouro. É uma adaptação das receitas de crescimento veloz da China e alguns países asiáticos, que pressupõe equilíbrio ou superávit fiscal, juros muito baixos e moeda desvalorizada. Não se sabe o papel do sistema de metas de inflação neste sistema, que é bastante intervencionista.

Discorde-se o não das idéias de Nakano, elas forçam um salutar debate prático. Os candidatos não estão interessados nisso. O desespero de alguns tucanos só tem comparação com o cinismo de petistas. O controle de capitais e a intervenção para desvalorizar o real, que sempre tiveram a simpatia do PT, foram amaldiçoados agora, numa risível inversão de papéis. Ao debate sério proposto sobre a real necessidade de um ajuste fiscal, a campanha de Lula opõe bobagens em que já acreditaram como o "desmonte" do Estado, a ojeriza às privatizações, o pífio corte de 0,1% do PIB ao ano nas despesas correntes e o fantasma do corte dos gastos sociais. Se quiser fazer o país crescer, Lula terá de apertar o cinto, mas também não quer falar nisso. Seria importante que os candidatos discutissem a sério seus programas. As chances de isso ocorrer são remotas.