Título: Britto pode se recusar a dar voto de desempate
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 27/08/2012, Política, p. A6

Dois precedentes do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Carlos Ayres Britto, indicam que ele pode se recusar a dar o voto de minerva caso a Corte chegue a empates no julgamento do mensalão.

Ao julgar uma disputa da Vale com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em dezembro de 2007, três meses após o recebimento da denúncia do mensalão, Britto afirmou que o sistema de desempate pelo qual o presidente vota duas vezes vai contra a democracia. Na ocasião, ele afirmou que o sistema que deve prevalecer é o de "um homem, um voto". "A República é constituída por cidadãos regidos pela igualdade", enfatizou Britto. "Na democracia, quem decide é a maioria. Os órgãos públicos podem decidir ignorando o princípio da majoritariedade? Eu penso que não."

Naquele julgamento estava em jogo uma decisão que foi tomada pelo Cade com o voto de desempate da então presidente do órgão antitruste, Elizabeth Farina. Com base no voto de minerva de Farina, o Cade determinou que a Vale deveria vender a mineradora Ferteco ou se abster do direito de adquirir o excedente produzido na mina Casa de Pedra, de propriedade da CSN, sua concorrente.

A Vale mobilizou dezenas de advogados para derrubar o voto de desempate e o processo foi decidido pela 1ª Turma do STF por três votos a dois. Britto e Marco Aurélio Mello foram os autores dos dois votos vencidos. Ambos concluíram que nenhum ministro pode fazer "manifestação dupla" de sua vontade. "É possível que, num colegiado, um cidadão falível, como outro qualquer, profira um voto neutralizando o dos demais?", questionou Marco Aurélio para, em seguida, responder negativamente.

O outro precedente envolvendo Britto é mais recente: o julgamento da Lei da Ficha Limpa, em setembro de 2010. Na ocasião, diante da iminência de um empate, Britto, favorável à lei, questionou frontalmente a possibilidade de o então presidente, ministro Cezar Peluso, contrário à Ficha Limpa, proferir o voto de minerva. Peluso respondeu que não tinha "vocação para déspota" e que não achava que o seu voto fosse "melhor do que o dos outros", tranquilizando Britto.

No caso envolvendo a Vale, Marco Aurélio lembrou de outro precedente que está sendo bastante citado no mensalão. Ele afirmou que, durante o julgamento do ex-presidente Fernando Collor, em 1994, houve empate no STF e não prevaleceu a posição do presidente da Corte. Foi convocado um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para desempatar.

A possibilidade de empates no mensalão se tornou maior diante de dois fatos. O primeiro é a aposentadoria de Peluso, que completa 70 anos em 3 de setembro. A sua última sessão será a do dia 30. Sem Peluso, o STF vai ficar com 10 integrantes, e não 11. No caso Collor, oito ministros votaram e houve empate em quatro votos a quatro. O segundo fato é a polarização entre o relator do mensalão, Joaquim Barbosa, e o revisor, Ricardo Lewandowski. Ela faz com que os demais integrantes da Corte partam do voto de um ou de outro para chegar às suas próprias conclusões.

Advogados dos réus do mensalão têm receio de um eventual desempate pelo presidente, pois Britto costuma ser bastante rigoroso em julgamentos envolvendo políticos. Além de defender a Lei da Ficha Limpa, o presidente do STF foi o relator da primeira condenação de um político desde a Constituição de 1988 e tem dado amplo apoio a Barbosa, que é considerado um voto certo contra a maioria dos réus do mensalão.

Caso Britto siga o entendimento de que o presidente não pode desempatar, os impasses terão que ser resolvidos por outras soluções que favorecem os réus. Uma delas é o princípio de que, na dúvida, decide-se a favor do réu. A outra seria a de adotar, por analogia, a regra de que, em empates nos julgamentos de habeas corpus, o réu fica em liberdade.

Os precedentes de Britto indicam uma clara tendência, uma forte linha argumentativa que ele traçou no passado. Mas o ministro pode mudar de opinião, se o fizer justificadamente. Na quinta-feira, Lewandowski citou frases de Britto proferidas em agosto de 2007 contra o recebimento da denúncia contra o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) por lavagem de dinheiro - e o presidente advertiu que poderia mudar de opinião. "O juízo do recebimento da denúncia é diferente do atual. São sedes de análise diferentes", afirmou Britto. (JB)