Título: Condenação pela pena mínima pode levar à prescrição
Autor: Basile , Juliano
Fonte: Valor Econômico, 27/08/2012, Política, p. A6

Tradicionalmente, o Poder Judiciário brasileiro baseia-se na pena mínima prevista no Código Penal para condenar réus em processos criminais. A partir dela, os juízes consideram os chamados agravantes e, em seguida, as causas de aumento de pena - ambos critérios previstos na mesma legislação - para definir a sentença condenatória. Qualquer acréscimo da pena para além do mínimo deve ter fundamentos objetivos para que ocorra. É essa a jurisprudência tanto do Supremo Tribunal Federal (STF) quanto dos tribunais de segunda instância do país.

No caso do mensalão, os ministros da Corte Suprema terão que fazer um verdadeiro "malabarismo" se quiserem evitar que boa parte dos crimes imputados aos 37 réus prescrevam. Dos sete crimes apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) na Ação Penal nº 470, quatro estão prescritos desde agosto de 2011 se a pena imposta pelo Supremo for a mínima prevista na lei penal.

O crime de formação de quadrilha, atribuído a 21 dos 37 acusados, é o que tem a maior possibilidade de já estar prescrito no caso do mensalão. O prazo de prescrição dependerá da pena imposta pelo Supremo aos possíveis condenados - que deve variar entre a mínima, de um ano, e a máxima, de três anos de reclusão.

Na fase atual da Ação Penal nº 470, que ainda não tem uma sentença, o cálculo é feito pela pena máxima e a prescrição ocorre em 8 anos, contados a partir do recebimento da denúncia da PGR ao Supremo. Ou seja, só prescreveria em agosto de 2015. Mas, se a condenação for pela pena mínima, o prazo de prescrição cai para quatro anos, já que após a sentença o cálculo é feito pela pena já imposta. Isso significa que, se os réus do mensalão forem condenados a um ano de reclusão por formação de quadrilha, no momento em que a sentença for dada, o crime já estará prescrito desde agosto de 2011.

Assim como a formação de quadrilha, os crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, peculato e evasão de divisas também estarão prescritos desde o ano passado se, no momento da sentença, os ministros aplicarem as penas mínimas previstas no Código Penal (veja quadro acima).

Isso ocorre porque, de acordo com o Código Penal, o prazo de prescrição dos crimes é calculado de duas formas. A primeira delas é feita antes da sentença judicial e serve para balizar o prazo que o Estado tem para julgar o réu. Segundo as regras da lei, crimes com pena máxima de dois anos prescrevem em quatro anos; com pena máxima de quatro anos prescrevem em oito anos e assim por diante, conforme prevê uma "tabela" inserida no artigo 109 do código. A segunda forma de cálculo do prazo de prescrição penal ocorre após a sentença, quando a pena é fixada, e segue a mesma tabela da anterior, mas com base na pena efetivamente aplicada ao réu.

É esse último critério que definirá os prazos de prescrição dos crimes supostamente cometidos no caso do mensalão. A partir do momento em que os ministros do Supremo definirem a pena a ser aplicada aos réus que condenarem - a chamada "dosimetria das penas", que será a última etapa do julgamento -, saberão se os crimes estão ou não prescritos. Se estiverem, é extinta a punibilidade do réu - o que significa dizer que ele não será considerado condenado e não carregará antecedentes criminais.

De acordo com Renato de Mello Jorge Silveira, chefe do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), há uma série de situações que podem agravar as penas a serem impostas pelo Supremo. "Mas, para ir além do mínimo, a decisão precisa estar devidamente fundamentada", afirma. Segundo ele, é preciso considerar situações pontuais que justifiquem o acréscimo das penas - e que não sejam critérios subjetivos. "O Supremo normalmente não aceita como fundamento para aumentar a pena a repercussão do caso ou o volume de dinheiro envolvido", diz.

O temor dos advogados é o de que, para evitar que a maior parte dos crimes do mensalão esteja prescrita, o Supremo condene os réus a penas acima das mínimas, contrariando sua jurisprudência. "A pena não é moeda de troca da prescrição", diz o criminalista Renato Vieira, do escritório Kehdi e Vieira Advogados, que não atua para nenhum réu do mensalão. "Para aumentar as penas para além do mínimo legal o juiz tem que se ater às circunstâncias", afirma.

Essas circunstâncias também estão previstas no Código Penal e são consideradas com base em uma ordem seguida por todos os juízes, que no meio jurídico é denominado de "método trifásico". Por esse método, a partir do estabelecimento da pena mínima a ser aplicada a um réu, o julgador analisa, em um segundo momento, se há os chamados agravantes ou atenuantes, previstos nos artigos 61 a 66 da lei. Entre eles está a reincidência, o cometimento do crime por motivo fútil, o uso de veneno, explosivo ou tortura, entre outros.

No processo do mensalão, um agravante previsto na legislação e possível de ser aplicado pelo Supremo é a existência de abuso de poder ou violação de dever inerente ao cargo. Em uma terceira e última fase da aplicação da pena, o juiz avalia se há causas de aumento ou diminuição de pena, critérios presentes no Código Penal mas restritos a alguns tipos de crime.