Título: Cenário de uma Coréia do Norte nuclear
Autor: Mukherjee, Andy
Fonte: Valor Econômico, 13/10/2006, Opinião, p. A13

Ao afirmar ter testado um artefato nuclear, o regime renegado de Kim Jong-il, o "querido líder" da Coréia do Norte, assumiu um risco calculado para prolongar a sua existência.

Ele também prestou um grande favor aos investidores na Coréia do Sul, embora a reação imediata dos mercados acionários e cambiais esteja indicando exatamente o contrário.

Sejamos francos. O risco de que Kim poderá, possuído pela raiva, pânico ou insanidade, lançar uma bomba nuclear sobre a zona desmilitarizada, não aumentou em relação à semana passada.

Um Estado com capacidade nuclear de fato, que é o que a Coréia do Norte foi até a semana passada, representa um risco tão grande para os seus vizinhos como um Estado com capacidade nuclear de direito. Se Kim não tivesse se engajado nesse malabarismo político, porém, seu governo mortífero teria tido poucas chances de sobreviver às contínuas tentativas dos EUA de asfixiar o país financeiramente.

E esse desfecho - um colapso súbito do sistema político norte-coreano, conduzindo a uma apressada reunificação na península - teria representado um risco maior para os investidores na Coréia do Sul, que por muitos anos conviveram com a ameaça de Kim ter êxito em testar material físsil.

Há uma década, pesquisadores do "Institute for International Economics" em Washington calcularam o "custo da unificação", que eles definiram como o investimento que seria necessário aplicar na Coréia do Norte para elevar a renda média a um nível equivalente a 60% do nível do Sul próspero e democrático.

Isto é praticamente o máximo de desigualdade que poderá ser tolerada numa Coréia unificada sem a convulsão socioeconômica representada por uma migração em massa. De acordo com os pesquisadores, o custo dessa união teria sido de US$ 1,7 trilhão em 2000, cinco vezes superior ao valor igualmente hipotético de US$ 319 bilhões em 1990.

As gerações mais jovens de sul-coreanos, que precisarão arcar com a maior parte do ônus, poderão torcer o nariz diante do preço.

O Produto Interno Bruto per capita na Coréia do Sul é superior a US$ 10 mil ao ano. O número para o Norte estaria em torno de 6% a 12% disso, de acordo com Charles Wolf Jr., analista da Rand Corporation em Santa Mônica, Califórnia.

"Presumia-se, de forma geral e não implausível, que a reunificação coreana imporia custos relativamente maiores na comparação com os gastos efetivos incorridos no caso da reunificação alemã", afirmou Wolf num estudo co-redigido com Kamil Akramov para o gabinete do Secretário da Defesa dos EUA Ronald Rumsfeld no ano passado.

Livrar os norte-coreanos da tirania certamente lhes proporcionará uma vida melhor, porém a um custo assombroso para os sul-coreanos.

-------------------------------------------------------------------------------- As sanções econômicas não podem ser severas demais, pois existe o perigo de que possam levar o povo a se rebelar e derrubar o governo --------------------------------------------------------------------------------

Uma solução vencedora seria que o Norte encontrasse o seu próprio líder iluminado, que reconduzisse a economia destroçada e a deixasse em forma antes da sua possível integração com o Sul.

Considerando que essa opção não está no horizonte, a escolha menos dispendiosa seria deixar Kim no comando. O regime de Kim precisa de US$ 2 bilhões a US$ 3 bilhões anualmente em moeda estrangeira, de acordo com a empresa de classificação de risco Standard & Poor´s.

"Esta estimativa compreende as importações e exportações legais, pagamentos em espécie e doações, bem como recebimentos em moeda estrangeira de atividades supostamente ilícitas, incluindo venda de armamentos, falsificações e tráfico de drogas", disse Takahira Ogawa, analista da S&P.

O dinheiro é necessário simplesmente "para manter a elite militar e os altos funcionários do regime em linha e para impedir a implosão da economia esfacelada da Coréia do Norte", diz Ogawa.

O Tesouro dos EUA, porém, vem dificultando gradativamente para Kim e seus camaradas manterem os seus estilos de vida socialistas, sem mencionar o frágil controle que exercem sobre a economia.

Exatamente quando a Coréia do Norte estava concordando, em princípio, em abandonar o seu programa nuclear na quarta rodada de negociações dos seis países em setembro do ano passado, os EUA apertavam o cerco em torno do Banco Delta Ásia, um banco de Macau que acusava de prática de lavagem de dinheiro para clientes norte-coreanos. A direção do banco rejeitou as alegações.

Apesar disso, houve uma corrida aos depósitos do banco e o governo de Macau assumiu o controle. Desde então, os EUA também pediram a outros países que investigassem as contas bancárias da Coréia do Norte. O Japão, distante apenas uma viagem de balsa do país renegado, está cogitando tomar medidas que poderão isolar ainda mais Kim financeiramente.

Kim talvez avalie que ao conduzir o teste nuclear estará fechando para sempre a opção de ser deposto militarmente pelos EUA. A Coréia do Sul e a China, que já têm mais a perder com a queda do seu regime, agora terão mais condições de oferecer a Kim um acordo no qual ele poderá ganhar legitimamente alguns bilhões de dólares anuais - em troca de se tornar um ditador mais voltado ao mercado.

De qualquer forma, o que Kim tem a perder? É extremamente improvável que a comunidade internacional proceda a uma reação militar à sua iniciativa, diz Thomas Byrne, um analista de títulos governamentais no Moody´s Investor Service em Nova York.

Quanto às sanções econômicas, mesmo estas não podem ser severas demais, devido ao perigo de que possam levar o povo, que já está à beira da inanição, a se rebelar e derrubar o governo. Além de ser um anátema para a Coréia do Sul, esse tipo de desfecho também será inaceitável para a China.

Uma península coreana unificada colocaria os soldados dos EUA na soleira da porta da China. Os chineses, mesmo furiosos com o querido líder por ter elevado a temperatura diplomática, não podem renunciar a ele. Trata-se de um equilíbrio maluco, mas é o único que poderá permitir que os investidores na Coréia do Sul consigam dormir um pouco.