Título: Brasil precisa barrar a entrada de dólares
Autor: Pereira, Luiz carlos Bresser; Caprioli, Gabriel
Fonte: Correio Braziliense, 08/11/2010, Economia, p. 12

Diante dos debates da guerra cambial, nos quais prevalecem discursos conciliadores, mas as ações seguem isoladas, cresce o temor das consequências nocivas que o problema mundial deixará no Brasil, como o aprofundamento do rombo nas contas externas e o perigo da desindustrialização. A proteção contra esses males, na visão do ex-ministro da Fazenda do governo Sarney, Luiz Carlos Bresser-Pereira, está em antigas receitas, como o controle da entrada de capitais no mercado doméstico, a fim de frear a hipervalorização do real. ¿Se nada for feito para conter a enxurrada de dólares, nós não só desmontaremos a indústria como mergulharemos numa nova crise no balanço de pagamentos¿, afirmou. Acompanhe a seguir trechos da entrevista que o economista concedeu ao Correio.

Qual a chance de o Brasil conseguir, na reunião do G-20, uma solução para a questão do câmbio e evitar uma sobrevalorização ainda maior do real? O problema da taxa de câmbio do Brasil é essencialmente nosso. Querer culpar os Estados Unidos ou a China por esse problema é totalmente equivocado. Claro que nós, no G-20, devemos dizer que a moeda chinesa está um pouco, não tanto quanto dizem, mas um pouco desvalorizada, e que a dos norte-americanos também está caindo agora com essa política do quantitative easing. O problema da taxa no Brasil, entretanto, é muito anterior a isso.

Vem desde quando? Estamos criminosamente deixando de administrar nossa taxa de câmbio há anos. Começamos a fazer isso em 1990, quando fizemos a nossa abertura comercial e, em seguida, a financeira. Como resultado, perdemos o controle do câmbio e, desde então, estamos num firme e progressivo processo de desindustrialização. Esse afrouxamento, que eu inclusive apoiei no início, foi longe demais e foi feito no âmbito do chamado neoliberalismo, uma ideologia radical que impede o desenvolvimento de quem a adota, tanto dos países em desenvolvimento quanto dos ricos, como verificamos no pós-crise.

Mas a abertura comercial e financeira é muito defendida por vários setores e pelo próprio governo. Ela deveria ser feita de forma mais cautelosa? O que pode ser feito para reverter o processo de valorização do real? Continuo a favor da abertura comercial, até porque o Brasil não tem mais empresas iniciantes. Entretanto, só é razoável se colocarmos nossa taxa de câmbio num nível correto, que viabilize a competitividade internacional de empresas brasileiras que utilizem tecnologia em nível semelhante ao dos concorrentes mundiais. É o que eu chamo de taxa de equilíbrio industrial. Para fazer isso, é preciso tomar uma série de medidas que a sociedade tem que estar disposta a aceitar. Medidas internas, de política econômica. Elas, no entanto, só começaram a ser feitas agora, há um ano e pouco, no governo Lula, quando (o ministro da Fazenda) Guido Mantega afinal resolveu ¿ e, aí, eu o elogio, porque teve a coragem de fazer ¿ o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

Então o ministro agiu corretamente ao ampliar o IOF de 2% para 4% e depois para 6% sobre as aplicações estrangeiras em renda fixa? Agiu de forma corretíssima, só que não com suficiente força. Você precisaria fazer controles mais fortes, como fazem os países asiáticos, que claramente viram para o mercado e dizem: só entra capital que nos interessa e quando nos interessa, mantendo uma postura muito firme. Quando eu dizia que era preciso controlar a invasão de recursos há cinco anos, estava ameaçado a ir para a fogueira do inferno. Bobagem, isso sempre foi feito, deixou de ser feito nos anos neoliberais ¿ o que demonstrou ser um completo desastre ¿, e agora todo mundo sabe o que é necessário. Foi o que o Mantega fez, mas muito modestamente.

Como fazer então para ser mais incisivo na questão cambial? Como se controla o câmbio? De duas maneiras. Primeiro, controlando a doença holandesa, que temos em menor grau, mas temos, e colocando um imposto de exportação nos produtos que a provocam. Além disso, a nossa moeda continua sendo pressionada, porque o Brasil está aceitando a ideia de que é necessário ter muita entrada de capitais. É um erro completo. É preciso fazer controle de entrada de recursos.

Sem essas medidas, o perigo de desindustrialização, principal reclamação das empresas, tende a piorar então? Sem dúvida. O Brasil vai gradualmente e sistematicamente transformando-se numa grande fazenda. Temos uma maravilhosa estrutura agrícola, com grande tecnologia, concordo, mas acontece que o valor per capita adicionado dessa agricultura é bem menor do que o da indústria. Estou falando em quebra da indústria há cinco anos e ouço uma chuva de críticas dizendo que isso é uma falácia. Ainda tem economistas repetindo essa bobagem. Agora, a participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 25% para 17%. Isso não é desindustrialização?

G-20 já recebe vaias em Seul

Com início marcado para quinta-feira, a reunião de cúpula do G-20, grupo das 20 maiores economias do planeta, já provoca protestos. Ontem, em Seul, milhares de manifestantes contrários à atual ordem mundial foram às ruas, em um ato pacífico, contra o encontro. A cidade elevou o nível de alerta para receber os chefes de governo e de Estado, como o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, e Hu Jintao, presidente da China. Em Portugal, ao lado do líder asiático, o ministro do Comércio chinês, Chen Deming, fugiu da discussão sobre a guerra cambial e pediu o retorno a temas como recuperação internacional e reforma nos sistemas financeiros.

¿Esperamos que o G-20 possa desempenhar um grande papel na promoção de reformas monetárias globais e de governança, e que ajude a economia mundial a conseguir um crescimento forte, sustentável e equilibrado¿, disse. A seu ver, o superavit comercial da China em 2011 é ¿administrável¿, em um momento em que o comércio exterior do país ainda enfrenta incertezas globais. ¿Acredito que o comércio externo da China vai continuar a crescer no próximo ano, mas o crescimento não será muito forte¿, disse Chen.

Depois de sofrerem pressões e valorizar ligeiramente sua moeda, o iuan, os chineses refizeram as contas para o superavit comercial em 2010, que deve cair para US$ 180 bilhões, contra US$ 196 bilhões de 2009. Apesar do apelo do ministro chinês, as preocupações com os desequilíbrios comerciais globais, em grande parte com os enormes excedentes comerciais da China com os países ocidentais, e a ameaça de uma ¿guerra cambial¿ vão estar no topo da agenda da reunião de líderes do G-20 em 11 e 12 de novembro.

A China vai tentar rechaçar pressões externas sobre a sua política monetária, argumentando que o país tem tomado medidas para aumentar as suas importações para ajudar a reduzir o saldo comercial positivo.