Título: Partidos ignoram maioria dos eleitores
Autor: Paolozzi , Vitor
Fonte: Valor Econômico, 27/08/2012, Internacional, p. A10

Embora os Estados Unidos tenham 50 Estados, os candidatos à Presidência Barack Obama e Mitt Romney optaram por fazer campanha quase que exclusivamente em apenas cerca de dez deles. Essa estratégia, em que aproximadamente três quartos da população acabarão virtualmente ignorados, é fruto direto do peculiar sistema americano, em que o presidente não é escolhido pela soma dos votos de todos os eleitores, e sim num indireto colégio eleitoral com apenas 538 representantes.

Esses Estados, que acabam ganhando uma importância desproporcional na eleição, são conhecidos como "Estados-pêndulo" ("swing states" ou "battleground states", em inglês), porque não aparecem com um claro vencedor nas pesquisas de intenção de voto e podem acabar pendendo para qualquer um dos dois partidos. O número exato dos Estados-pêndulo que definirão a eleição deste ano varia, dependendo da avaliação do analista ou veículo da mídia, entre 6 e 11 Estados.

Nada ilustra melhor a situação do que as viagens que os candidatos fazem e o dinheiro que gastam em propaganda na TV. Nos últimos três meses, Obama visitou cinco vezes Ohio, que tem uma população de 11,5 milhões. Já o Texas, que tem 25,7 milhões de habitantes, viu o presidente só em uma ocasião. Mitt Romney esteve quatro vezes em Iowa (população de 3 milhões), contra duas em Nova York (19,5 milhões). Análise da eleição de 2008 feita pela CNN mostra que quase 90% do dinheiro gasto por Obama e John McCain em anúncios na TV foram para apenas 15 Estados.

Essa distorção tem se agravado ao longo das últimas décadas. De acordo com números levantados pelo cientista político Alan Abramowitz, da Universidade Emory, em 1976, ano em que o democrata Jimmy Carter derrotou o presidente Gerald Ford por uma margem pequena de votos, cerca de 59% da população do país viviam em Estados-pêndulo. Na eleição de 2008, somente 20% dos americanos moravam em Estados que mereceram atenção das campanhas de Obama e McCain.

A existência dos Estados-pêndulo "certamente evidencia uma falha da democracia americana", diz Rob Richie, diretor-executivo da FairVote, uma ONG que propõe reformas no sistema eleitoral dos Estados Unidos. Além de acabar dando pesos desiguais ao voto de cada cidadão, outra consequência da forma atual de eleição é uma distorção no debate das propostas.

"Os candidatos só fazem pesquisas nos Estados-pêndulo. Se os eleitores de lá ignoram um tema, que pode ser importante em outro Estado, ele não será tratado na campanha", diz Richie. Como exemplo, ele cita o democrata Al Gore em 2000. "Gore não falou nada de aquecimento global na sua campanha. Como a sua vitória estava assegurada na Califórnia e o tema era delicado em Estados com grandes indústrias, como Michigan e Ohio, ele simplesmente deixou o assunto de lado."

Neste ano, por se tratar de uma disputa bastante apertada, além dos Estados-pêndulo, os candidatos estão priorizando em suas viagens também aqueles em que há mais dinheiro. Mais importante que fazer comícios e aparecer na mídia desses Estados são os eventos de arrecadação de fundos. Romney e Obama estão dedicando grande atenção aos milionários da Califórnia, Illinois e Nova York, promovendo almoços e jantares com convites disponíveis somente a um seleto número de doadores.

Pela legislação americana, os 538 representantes do colégio eleitoral são distribuídos entre os Estados de acordo com o tamanho da população - desse modo, a Califórnia, que tem o maior número de habitantes, ganha 55 votos, enquanto os menores, como Montana e as duas Dakotas, ficam com o direito de enviar apenas 3 eleitores. O que causa a distorção é que impera em 48 Estados a regra "o vencedor ganha tudo": não haverá nenhuma diferença se, por exemplo, Romney ganhar de Obama na Califórnia com uma vantagem de 2 milhões de votos ou por apenas um único. Em qualquer um dos casos, ele ficaria com os 55 votos no colégio eleitoral.

A consequência disso é que republicanos e democratas simplesmente desistem de fazer campanha nos Estados em que a vitória está garantida ou a derrota é inevitável. Gastar tempo e dinheiro num caso desses não resultará em nenhuma vantagem prática no colégio eleitoral. Nas últimas décadas, os republicanos têm dedicado pouca atenção a Estados como Califórnia, Massachusetts, Rhode Island e Nova York, que contam com populações mais progressistas. Inversamente, os democratas não vão bem nos mais conservadores Estados do sul, como Mississipi, Alabama e Carolina do Sul.

Peter Brown, diretor-assistente do Quinnipiac University Polling Institute, que neste ano está associado ao "New York Times" e à rede de TV CBS para produzir pesquisas de intenção de voto, diz que a eleição será decidida por uma margem muito pequena de votos. O Quinnipiac está fazendo pesquisas em seis dos Estados-pêndulo (Flórida, Ohio, Pensilvânia, Wisconsin, Colorado e Virgínia) e Brown afirma que, "se a votação fosse hoje, Obama seria reeleito. Ele está na frente na maioria dos Estados decisivos, embora não tenha uma vantagem grande", afirma Brown.