Título: Governos aumentam ou reduzem o crime?
Autor: Soares, Gláucio Ary Dillon
Fonte: Correio Braziliense, 08/11/2010, Opinião, p. 15

A análise das taxas brasileiras de homicídios mostram tendência genérica ao crescimento, de 1979 até 2003. A tendência foi linear até aquela data: era fácil prever os homicídios de um ano qualquer, pois eram a soma dos homicídios do ano anterior mais um crescimento moderado. A lei do desarmamento mudou essa tendência: pela primeira vez os homicídios começaram a baixar. Vários policiais me explicaram que a baixa se devia ao porte ilegal ter passado a ser crime. Como muitos dos detidos por porte ilegal de armas tinham ficha policial suja, as prisões passaram a ser mais fáceis.

A importância de manter criminosos na prisão deriva do conhecimento de que a probabilidade de cometer um crime aumenta muito se o criminoso já tiver cometido outro(s) crime(s). É uma verdade incômoda, particularmente ameaçadora no caso dos homicídios: quem já matou tem uma chance muito maior de voltar a matar do que quem nunca matou. E quem tem ficha policial por outros crimes também tem probabilidade bem mais alta de matar alguém.

As políticas públicas podem afetar os níveis de criminalidade. A lei seca e a lei do desarmamento são exemplos positivos. Há muitas sugestões de variáveis apresentadas para ampliar a variância explicada. Bem-vindas! Vamos adicioná-las ao modelo e testá-las. Outras são apresentadas como explicações alternativas. Não seriam as políticas públicas ¿ seriam essas e aquelas variáveis. Porém, não basta afirmar: é preciso demonstrar que, controlando essas variáveis, não há resíduo na violência que possa ser explicado pelas políticas públicas. As explicações sugeridas devem ser compatíveis com os dados, inclusive com os pontos de inflexão.

As políticas públicas requerem enriquecimento que inclua respostas diferenciais. O impacto da lei do desarmamento variou muito de estado para estado, de região para região. Como a lei do desarmamento requer a presença da polícia (para prender) e da Justiça (para julgar), elas devem integrar explicação mais completa. Embora uma lei possa ter efeito inibitório por si só, ela precisa chegar ao conhecimento dos indivíduos, o que requer variáveis relacionadas com a comunicação. Esse efeito seria tanto maior quanto melhor aplicada fosse a lei, sempre e quando essa condição chegue ao conhecimento dos delinquentes em potencial.

No entanto uma política de segurança séria elaborada por profissionais e inclui muitas dezenas de medidas. Algumas pesam mais do que outras, mas essa informação só temos depois da avaliação dessas medidas. A avaliação é, portanto, indispensável para selecionar as medidas que continuarão e as que serão terminadas: não vamos perder recursos com medidas que não funcionam.

Os governos contam. Os dados do Rio de Janeiro permitem avaliação positiva de alguns governos e negativa de outros. As variações que acompanharam mudanças de governo sublinham o poder das políticas públicas e matizam a influência de processos contínuos, de longa maturação ¿ eles não explicam as mudanças de curto prazo que acompanham as mudanças de governo.

Neste artigo, analisamos as mortes violentas intencionais, excluindo os suicídios e os homicídios culposos no trânsito. Somamos todas as mortes, inclusive os autos de resistência e as chamadas mortes legais, assim como latrocínios e lesões corporais seguidas de morte. O somatório representa o total de violência letal intencional. A inclusão das mortes legais e dos autos de resistência deve-se ao argumento de que algumas polícias matariam mais cidadãos do que salvariam.

As taxas e os totais absolutos variaram com os governos. O período de 1991 a 1995 foi de ascensão rápida das mortes. Corresponde, em boa parte, ao segundo governo Brizola, de 15 de março de 1991 a 2 de abril de 1994, terminado por Nilo Batista (até 1º de janeiro de 1995). Em 1994, 6.145 pessoas morreram de janeiro a agosto, o número mais elevado dos 20 anos estudados. A seguir, vemos um período de forte baixa nas mortes, produto de políticas altamente repressivas de Marcelo Alencar, que governou de 1º de janeiro de 1995 até o fim de 1998. Provocaram queda de 34% no número de mortes intencionais violentas, que baixaram a 4.069. Essa redução significa que, somente naquele ano (1998), no período de janeiro a agosto, houve duas mil mortes a menos, em comparação com 1995.

As administrações do casal Garotinho/Rosinha, incluindo os meses do interregno de Benedita, foram caracterizadas pela estabilidade. Variaram entre o mínimo de 4.165, em 1999, e o máximo de 4.810, em 2005.

A partir de 2007 se inicia uma nova tendência à baixa, mas que não foi linear. Em 2010, entre janeiro e agosto, morreram 3.360 pessoas. Uma baixa de 45% no total de mortes em relação ao pior ano, 1995, e de 22% em relação ao ano final do mandato anterior. Se fosse mantido o patamar de 1995, teríamos 2.785 mortes a mais ¿ somente no período de janeiro a agosto. Quatro anos não é um período suficientemente longo para garantir continuidade às políticas adotadas e dos seus resultados. Os casos emblemáticos de redução das mortes violentas no Brasil ¿ São Paulo, Minas Gerais e Diadema ¿ requereram dois mandatos ou mais.

Sem excluir a influência de variáveis de outra ordem, o exemplo do Rio de Janeiro mostra que mudanças no governo do Estado foram acompanhadas por mudanças na tendência das mortes intencionais violentas. Bons governos salvam vidas, muitas vidas.