Título: O que Bush quer e o que terá de ceder à oposição
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2007, Internacional, p. A7

Nancy Pelosi assumiu ontem a presidência da Câmara dos EUA, dando início assim à dolorosa última fase da Presidência de George W. Bush. Com a passagem de controle do Congresso para os democratas, Bush irá se tornar não só um pato manco (lame duck, na expressão comum da política americana), mas também um aleijado, em condições de agir livremente apenas em política externa e de defesa - onde, graças a seus fracassos na guerra no Iraque, residem seus problemas mais intratáveis.

Pelosi está se preparando para atormentar o presidente com alguma sutileza. Em suas primeiras 100 horas na função, ela quer valer-se de sua maioria de 31 assentos na Câmara para aprovar uma série de medidas de que (assumindo que sejam aprovadas no Senado, onde os democratas têm apenas uma estreitíssima vantagem de 51 a 49) Bush cordialmente discordará, mas lhe será complicado vetar. As medidas incluem uma substancial elevação do salário mínimo, o estímulo a pesquisas com células-tronco (anátema para Bush e a direita cristã) e o corte de subsídios à indústria petrolífera. Pelosi promete ainda maior rigor na aplicação das regras para barrar projetos de interesse político, mas sem justificativa econômica - numa humilhante reprimenda aos republicanos, que abusaram dessas iniciativas interesseiras quando detinham a maioria.

Bush provavelmente terá de engolir tudo isso, e muito mais, como rejeição de acordos comerciais. Isso não é apenas porque ele sabe que o programa dos democratas é modesto e popular, mas também porque ele agora necessita da ajuda dos democratas para amealhar algum tipo de legado de política interna nos 745 dias que lhe restam de mandato.

Um objetivo acalentado, e merecedor de elogios, do presidente, é chegar a uma solução justa e economicamente inteligente para o problema da imigração ilegal nos EUA. Com o atual sistema, são legalmente criminosos boa parte dos 12 milhões de pessoas que só querem trabalhar duro e de cujos esforços hoje dependem grandes setores da economia. Bush gostaria também de encontrar uma maneira de assegurar que o corte de impostos que ele converteu em lei em seus primeiros anos na Presidência não expirem de todo, como atualmente previsto, em 2010. E, na medida mais necessária entre todas, Bush quer fazer algum progresso no sentido do enfrentar a crise em formação no sistema de saúde americano. Suas tentativas de conter a disparada dos custos, à medida que a população envelhece e que a tecnologia médica vai ficando cada vez mais cara, foram até agora incompetentes.

Nada disso pode ser obtido sem os democratas. Por isso, o Iraque é, potencialmente, um problema triplo para Bush, agora que seu mandato entra na reta final. Em primeiro lugar, trata-se da maior e mais difícil questão com que ele tem de lidar, consumindo boa parte de sua atenção e atraindo a maior parte das críticas lançadas contra ele. Em segundo lugar, presidentes alvos de um Congresso hostil costumam tentar salvar sua reputação no exterior; mas as conseqüências, em todo o mundo, da lenta derrota americana no Iraque tornam difícil que Bush tome esse rumo.

Terceiro, o Iraque ameaça prejudicar também a agenda interna de Bush. Nos próximos dias, o presidente, que no passado já se chamou de "o decididor", terá de fazer a mais difícil decisão de sua Presidência. Ele prometeu apresentar um novo plano para o Iraque. Tal plano será sua resposta não só ao relatório concluído no mês passado pelo Grupo de Estudo sobre o Iraque, que defendeu a retirada das tropas de combate do Iraque no início de 2008, mas também à evidente verdade de que o plano atual não está funcionando.

Os democratas, quase em sua totalidade, apóiam uma rápida retirada. Venceram as eleições para o Congresso em novembro em parte por defender essa posição. Muitos republicanos, a maior parte do pessoal de Washington que cuida de política externa e, se supõe, o próprio pai do presidente compartilham dessa posição. Mas é quase certo que Bush optará pela política do "pico", ou seja, um aumento abrupto, mas temporário, das tropas no Iraque. Isso o colocará em rota de colisão com os democratas. Eles em princípio se opõem à idéia e, em algum momento de fevereiro, deverão ser chamados a votar mais um orçamento suplementar para as tropas no Iraque. Trata-se, desta vez, de um montante entre US$ 100 bilhões e US$ 170 bilhões. Se a questão da política para o Iraque descambar, como pode muito bem acontecer, para um disputa encarniçada entre o Executivo e o Legislativo, as chances de progresso suprapartidário em política interna ficarão mais estreitas.

A perspectiva parece bem sombria para Bush, mas ele ainda pode resgatar parte de sua reputação. Os EUA continuam sendo o país mais poderoso, e Bush poderá usar parte desse poder para enfrentar alguns dos problemas mais prementes do mundo, como as mudanças climáticas e o terrorismo. Alemanha, Japão, Canadá e Itália têm novos líderes e, com a saída em breve de Tony Blair e Jacques Chirac, o presidente americano se tornará logo o mais experimente líder entre os países do G-7. Mas, enroscado no Iraque e sem o apoio do Congresso, Bush terá de encontrar um renovado ânimo de estadista para fazer uso dessas vantagens.