Título: Economia se deteriora na China e põe em risco meta de crescimento
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Fonte: Valor Econômico, 04/09/2012, Internacional, p. A13

A economia chinesa exibe crescentes sinais de deterioração, da indústria ao setor bancário. O desaquecimento eleva o risco de que o premiê Wen Jiabao, em fim de mandato, deixe de cumprir sua meta de crescimento pela primeira vez desde que assumiu o cargo, em 2003.

A indústria de transformação aprofundou sua desaceleração em agosto, revelaram pesquisas entre gerentes de compras divulgadas sábado e ontem. Um dos indicadores, por exemplo, atingiu seu patamar mais baixo desde março de 2009. Os resultados reforçaram as evidências de fragilidade após um excedente de produtos não comercializados ter deixado um estoque de borracha próximo do recorde na principal localidade chinesa distribuidora da commodity. Além disso, problemas na área financeira geraram um salto de 27% dos empréstimos não quitados dos cinco maiores bancos do país no primeiro semestre.

A China não deixa de ultrapassar a meta anual de crescimento fixada pelo Partido Comunista desde a crise financeira asiática de 1998, e o descumprimento da meta deste ano, de 7,5%, poderá complicar a transmissão do cargo máximo, que ocorre uma vez a cada dez anos. A geração de autoridades da área econômica que deixará o poder refreou os incentivos neste ano na tentativa de controlar o surto de crescimento do mercado imobiliário e evitar um salto dos contratos de crédito não honrados.

"Se não houver nova reação da parte do governo, é muito provável que o crescimento do Produto Interno Bruto fique abaixo da meta e que neste governo entregue ao próximo uma economia em pouso forçado", disse Liu Li-Gang, economista-chefe para a China do Australia & New Zealand Banking Group, de Hong Kong.

O risco de uma expansão inferior a 7% pode desencadear graves problemas financeiros ou mesmo uma crise, se os governos municipais ficarem sem dinheiro, disse Liu, que atuou no Banco Mundial e na Autoridade Monetária de Hong Kong. Ressaltando ainda mais o acúmulo de tensões no setor, o Construction Bank informou que os empréstimos não quitados que concedeu à central oriental de indústria de transformação e de exportações do Delta do Rio Yang-tzé duplicaram para 16,8 bilhões de yuans (US$ 2,6 bilhões).

Liu reduziu sua estimativa para o crescimento do ano como um todo de 8,2% para 7,8% após a divulgação do índice oficial dos gerentes de compras da indústria de transformação. O indicador caiu dos 50,1 pontos de julho para 49,2 pontos, nível inferior às estimativas de 24 dos 25 analistas consultados pela Bloomberg. A linha divisória entre contração e expansão é representada por 50 pontos.

Outro índice de gerentes de compras da indústria de transformação, divulgado hoje pela HSBC Holdings e pela Markit Economics, ficou em 47,6 pontos. O resultado indica a contração mais acelerada de mais de três anos, com um índice de nível de emprego no menor patamar dos últimos 41 meses. Um índice de gerente de compras do setor de serviços elaborado pelo governo mostrou aceleração do crescimento em agosto.

A expansão da economia chinesa desacelerou por seis trimestres, alcançando 7,6% no período de três meses encerrado em junho, em relação aos 9,8% computados no quarto trimestre de 2010. A crise da dívida da União Europeia inibiu as exportações e a prolongada repressão à especulação imobiliária reduziu a demanda interna.

Segundo Lu Ting, do Bank of America de Hong Kong, a desaceleração vai continuar neste trimestre, alcançando 7,4%. Ele disse que há o risco de o índice para o ano como cheio acabar inferior a 7,5%, e que o crescimento pode ficar aquém de sua estimativa se o governo "não baixar novas medidas de política econômica nos próximos meses". O crescimento da China alcançou, em média, 10,9% de 2005 a 2011, quando a meta era de 8%, e chegou a nada menos que 14,2% em 2007. O governo fixou como objetivo uma expansão média de 7% para o plano quinquenal válido até 2015.

O governo da China deixou de adotar medidas de incentivo da magnitude do pacote de US$ 630 bilhões divulgado durante a crise financeira mundial, que ajudou a manter o crescimento do país acima dos 9% em 2008 e 2009, enquanto o resto do mundo despencava. Wen disse em outubro que o governo submeteria as medidas de política econômica a uma "sintonia fina". Desde então, as alíquotas do depósito compulsório dos bancos foram reduzidas por três vezes, as aprovações dos projetos de investimento foram aceleradas e os gastos com previdência social e saúde aumentaram. Em junho o BC chinês baixou as taxas de juros pela primeira vez em três anos, e voltou a reduzi-las em julho.

"A falta de medidas ousadas realmente decisivas nos últimos meses permite depreender que, pelo menos em certa medida, o governo está se contentando com uma cifra de crescimento mais próxima da meta verdadeira mais do que teria gostado antes", disse o economista Alistair Thornton, do IHS Global Insight de Pequim. "Ele tem poder suficiente para fazer a situação virar, se realmente quiser, e só vai querer quando o mercado de trabalho sentir o impacto."

A China corre o risco de reeditar a experiência vivida pela Coreia do Sul na década de 1990, quando uma queda do ritmo de crescimento resultou em "deterioração significativa" dos lucros. Isso ocorreu porque as empresas viram-se oneradas pela alta dos custos fixos decorrentes dos surtos de crescimento dos gastos com bens de capital empreendidos para sustentar a economia, segundo Duncan Wooldridge, economista-chefe para a Ásia do UBS de Hong Kong.

A menos de sete meses do fim de seu mandato, Wen poderá ter de deixar a tarefa de revitalizar o crescimento para uma nova safra de autoridades governamentais, que deverá tomar posse em março do ano que vem após a sessão anual do Congresso Nacional do Povo.