Título: Zona do euro vê fragmentação bancária
Autor: Atkins, Ralph
Fonte: Valor Econômico, 04/09/2012, Finanças, p. C2

A convergência econômica europeia, aquela grande visão pós-1945 de um sistema financeiro sem fronteiras, está começando a se esfarelar. Após décadas de progresso, os bancos estão se retraindo para dentro de suas fronteiras nacionais. Empresas, consumidores e governos no sul estão enfrentando custos para tomada de empréstimos significativamente mais elevados do que aqueles ao norte - o que por sua vez contribui para aprofundar a recessão. O Banco Central Europeu (BCE) está substituindo o capital transnacional privado em larga escala.

A desintegração do sistema financeiro na zona do euro ressalta como os benefícios produzidos pelo lançamento do euro em 1999 estão desaparecendo. "Se quisermos sair dessa crise, temos de desfazer essa fragmentação financeira", advertiu Mario Draghi, presidente do BCE, em julho.

As variações desenfreadas nos custos dos empréstimos mostram como o BCE perdeu o controle sobre as taxas de juros - principal arma no arsenal de um banco central. Draghi está preocupado com o impacto destrutivo das especulações em torno de uma ruptura da zona do euro sobre os juros. Na quinta, o BCE debaterá os planos de intervenção para recuperar o controle dos juros nos mercados de dívida soberana e acalmar os piores temores envolvendo a união monetária europeia.

Mas a fragmentação envolve bem mais do que apenas política monetária. O risco é que ela alimente a oposição pública ao euro nas economias em dificuldades e corroa os argumentos em favor da participação, tornando uma ruptura possivelmente mais provável.

Até poucos anos atrás, os formuladores de políticas da zona do euro podiam saudar a convergência de mercados e economias do bloco, hoje com 17 países. O mais notável foi o estreitamento do spread entre a taxa de juros cobrada, pelos investidores, dos ultrasseguros títulos alemães e os de outros países membros. Em novembro de 2009, o rendimento de um título grego de 10 anos era menor do que 2 pontos percentuais a mais que o equivalente alemão. Agora é de 22 pontos percentuais.

Em retrospecto, essa convergência não foi de todo positiva. Os baixos custos de contratação de empréstimos pelo sul fomentaram booms de crédito e no mercado habitacional - e imprudentes políticas fiscais na Grécia.

Preocupados com uma possível ruptura, os mercados de títulos estão agora forçando os membros mais fracos a pagar um preço elevado. Os investidores estrangeiros abandonaram os mercados espanhol e italiano de dívida soberana, deixando apenas os bancos domésticos operando com a compra de novas emissões, usando o dinheiro emprestado do BCE. Os insustentáveis custos dos empréstimos e as crises bancárias obrigaram a Grécia, Portugal, Irlanda e Chipre a aceitarem programas de socorro emergencial - e a Espanha pediu ajuda para seus bancos.

Agravando os sofrimentos, os bancos reduziram suas concessões de empréstimos e sua exposição transnacional, pressionando ainda mais para cima as taxas de juro, especialmente para empresas de pequeno e médio portes. Uma empresa que deseje captar um empréstimo inferior a € 1 milhão por até cinco anos, poderá ter de pagar uma taxa de juros de 6,5% na Espanha, mas apenas 4% na Alemanha.

Não são apenas os mercados que estão promovendo a fragmentação. Os bancos enfrentam pressões domésticas para reduzir a exposição transnacional. Cada agência regulamentadora nacional está perguntando: "Como posso reduzir o risco de meus bancos ficarem em situação difícil se alguma coisa der errada na zona do euro?". Esse "protecionismo financeiro não vai desaparecer", diz Huw van Steenis, do Morgan Stanley.

O BCE estima que desde meados de 2011 a participação das transferências de crédito transnacionais nos mercados financeiros de curtíssimo prazo ("overnight") - que lubrificam os mercados financeiros - caíram de 60% para menos de 40%. "As especulações sobre a saída de países individuais atingidos pela crise, vinculadas a uma desvalorização, estão influenciando enormemente o mercado de crédito interbancário", disse Jörg Asmussen, um membro do conselho do BCE, na semana passada.

A fragmentação está produzindo um "impacto congelante" sobre o investimento empresarial, diz Mark Cliffe, do ING. "Se você é uma grande multinacional, você não vai ter pressa para investir na periferia. Essa é uma razão pela qual as empresas estão mantendo tanto dinheiro em caixa."

À medida que secaram os fluxos privados transnacionais de capital, o BCE ampliou sua oferta de liquidez para os bancos da zona do euro. Os bancos espanhóis estão tomando empréstimos superiores a € 400 bilhões, o equivalente a 11% dos ativos bancários totais. Para a Itália, o número é de quase € 300 bilhões. O resultado tem sido crescentes desequilíbrios no sistema de pagamentos transnacionais usado pelos bancos centrais na zona do euro. Espelhando o fluxo meridional de fundos do BCE, o alemão Bundesbank é credor, no sistema "Target 2", de mais de € 700 bilhões.

A importância de tais desequilíbrios é disputada acaloradamente entre economistas. Alguns, inclusive os do Bundesbank, argumentam que eles refletem uma reação do BCE à crise e não são um referencial para o valor da conta que um país teria de pagar no caso de uma ruptura da zona do euro.

Ainda assim, eles ganharam importância política. As decisões do BCE "intensificaram as paixões políticas porque os passivos foram socializados e o mico sobrou para o contribuinte", argumenta Cliffe. "Se a união monetária sofrer uma ruptura, então o passivo será cristalizado - e alguém teria de pagar a conta."

Reverter a fragmentação da zona do euro exigirá incentivar o retorno dos fluxos financeiros aos países da periferia, o que por sua vez exigirá o restabelecimento da confiança no futuro do euro. Esse é o desafio com que se defrontam Draghi e os políticos na zona do euro nos dias e semanas à frente.