Título: Massa salarial cresce, mas tem impacto limitado na produção
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2007, Brasil, p. A3

A massa salarial cresceu 14,6% acima da inflação entre 2004 e 2006, injetando R$ 77,7 bilhões na economia. Esse aumento considerável da renda tem estimulado o consumo sem se traduzir num impulso significativo para vários setores que fabricam bens de consumo semi e não duráveis, em tese os grandes favorecidos pela melhora no poder aquisitivo. Segmentos como o de vestuário e de couro e calçados viram a produção encolher no período, vítimas da concorrência de produtos importados, que se beneficiaram do dólar barato. O desempenho dos bens duráveis (veículos e produtos de informática, por exemplo) tem sido melhor, mas em grande parte devido à ajuda de outros fatores, como a ampla oferta de crédito e as isenções tributárias, como nota o economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Edgard Pereira.

A recuperação da massa salarial real nos últimos três anos é razoável: começou timidamente em 2004, com aumento de 2,4%, acelerando-se para 5% em 2005 e 6,5% no ano passado, segundo estimativa do economista Guilherme Maia, da Tendências Consultoria Integrada. Nesse ambiente, era de se esperar um aumento forte da produção de bens semi e não duráveis, mas não foi o que se viu. De 2004 a outubro de 2006, a fabricação desses bens cresceu 11,9%, um ritmo bem inferior ao registrado pela produção de duráveis, que avançou nada menos que 45% no período, muito beneficiados pela expansão do crédito.

A produção de alguns bens semi e não duráveis chegou a encolher entre 2004 e outubro do ano passado. A fabricação de vestuário, por exemplo, recuou 8,6% no período, enquanto a de couro e calçados caiu 4,4%. "São dois segmentos que sofreram muito com a concorrência do produto importado, beneficiado pelo câmbio valorizado", diz Pereira.

O volume de importação de artigos de vestuário, por exemplo, cresceu 26,4% nos quatro trimestres encerrados em setembro do no ano passado, de acordo com cálculos da MB Associados.

O diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel, diz que, num cenário marcado por dólar barato, o setor fica numa situação bastante desfavorável em relação aos produtos estrangeiros, porque ainda enfrenta outros obstáculos como o juro alto, a carga tributária elevada e a infra-estrutura ruim.

Ele avalia ainda que o aumento de renda não é suficiente para um boom generalizado do consumo no país. Com isso, o aumento de vendas de determinados produtos, como equipamentos de informática, se dá em detrimento de outros, acredita Pimentel. Números do IBGE mostram que, de janeiro a outubro do ano passado, as vendas de equipamentos e material para escritório, informática e comunicação aumentaram 33,71%, ao passo que as do grupo tecidos, vestuário e calçados cresceram apenas 1,42%.

Alguns segmentos de bens duráveis também têm sofrido com o dólar barato, deixando com isso de aproveitar o aumento da renda. É o caso da indústria de móveis, que viu sua produção crescer apenas 3,48% de 2004 a outubro de 2006. Nesse caso, mais do que a concorrência dos importados, o problema é a perda de competitividade dos exportadores brasileiros.

"Há quem diga que os empresários reclamam demais do câmbio, mas o dólar barato está de fato desarticulando a produção industrial", diz Pereira. Segundo ele, o crescimento da renda não é suficiente para dinamizar a produção de setores que sofrem com o câmbio valorizado.

A indústria farmacêutica é um dos destaques positivos entre os setores que produzem bens semi e não duráveis. Pereira diz que esse é um segmento que se beneficia do dólar barato, por usar muitos insumos importados. Nos quase três anos que vão de 2004 a outubro de 2006, a produção da indústria farmacêutica cresceu 20,29%, indicando que o segmento foi um dos que conseguiram abocanhar o crescimento da massa real de salários no período.

Entre os duráveis, a indústria de veículos automotores tem um desempenho dos mais positivos. A produção do setor cresceu 55,5% desde 2004, favorecida por um ambiente de crédito farto, com financiamentos com prazos longos e juros baixos. A combinação dessa facilidade com a expansão da renda deu um impulso significativa para a indústria automobilística nos últimos três anos.

Mas Pereira vê perda de fôlego no setor devido ao câmbio, que tem afetado a competitividade das exportações de veículos brasileiros. Filiais brasileiras de multinacionais começam a perder espaço para subsidiárias de suas matrizes localizadas em outros países, que contam com uma taxa de câmbio mais competitiva, avalia ele.

Um outro setor que vai bem é o de produtos de informática. Na classificação de bens semi e não duráveis, eles aparecem no grupo material eletrônico, aparelhos e equipamentos de comunicações, segundo Pereira. De 2004 para cá, o crescimento da fabricação desses produtos - que inclui celulares - foi de 71,7%. Esse foi um dos segmentos que claramente conseguiram ficar com parte do aumento de renda dos últimos três anos.

A questão é que isso só ocorreu, entre outros motivos, porque o setor se beneficiou de medidas como incentivos oficiais, diz Pereira. No ano passado, por exemplo, o governo baixou medidas para incentivar o segmento de microcomputadores, dando isenção de PIS e Cofins para máquinas de até R$ 2,5 mil. Além disso, ofereceu financiamento de longo prazo ao varejo para equipamentos que usam o sistema operacional Linux, no valor de até R$ 1,4 mil.

Segundo o diretor de pesquisa da consultoria International Data Corporation (IDC), Mauro Peres, esse tipo de medida ajudou o segmento, que também foi bastante favorecido pelo dólar barato, um fator positivo para uma indústria que usa muitos componentes importados. "Isso barateou bastante o computador para o usuário", afirma Peres, para quem os produtos um pouco mais antigos ficaram acessíveis para a classe C, especialmente porque é possível entrar em financiamentos longos.