Título: Rede sobrecarregada
Autor: Sakkis, Ariadne
Fonte: Correio Braziliense, 16/11/2010, Cidades, p. 25

Surto de infecção hospitalar na UTI neonatal do Hras restringe atendimento e aumenta a demanda em outras unidades

Com as restrições de atendimento na maternidade do Hospital Regional da Asa Sul (Hras) para sanar o surto de bactérias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) neonatal, os demais hospitais da rede pública de saúde estão sobrecarregados. Muitas gestantes estão tendo que peregrinar pelas unidades para conseguirem ser atendidas. A crise na assistência intensiva neonatal do Hras, que é o hospital referência do DF, também se refletiu na Justiça: só no fim de semana, a Defensoria Pública garantiu três liminares para a internação de recém-nascidos em UTIs de hospitais particulares.

A queda de 75% no número de partos realizados no Hras ¿ a média caiu de 20 para cinco partos por dia ¿ implicou no aumento da demanda de outras unidades. O Hospital Regional da Asa Norte (Hran) é um dos principais destinos das pacientes que acabam dispensadas. ¿O aumento do serviço é enorme. Nosso berçário está muito cheio e não temos a estrutura da UTI neonatal da Asa Sul. Mas estamos recebendo todos que podemos¿, afirma a chefe de equipe do plantão, Elizabetha Scodeler. Segundo ela, a pediatria atendeu ontem pelo menos dois bebês em estado grave.

Maria Elisalde Pereira Gomes, 24 anos, passou pela emergência de três estabelecimentos em busca de alguma unidade capaz de realizar o parto. ¿Em Brazlândia, onde moramos, e em Taguatinga, não tinha médico¿, contou o marido, Evaldo Ferreira Rodrigues, 29 anos, em frente à maternidade do Hras. Após 40 minutos, Evaldo viu a mulher deixar a consulta com fortes dores. Maria Elisalde foi avaliada por um médico, que a encaminhou ao Hran. O mesmo aconteceu com o morador de Águas Lindas Reinaldo Silva Alves, 31 anos. Ele não sabia do surto que se espalhou no Hras nem das restrições de atendimento e acabou levando a esposa, grávida de nove meses, para ter o bebê ali. ¿No Hospital Regional de Taguatinga não tinha médico. Corri pra cá¿, contou Reinaldo. Como o caso não era urgente, eles também foram remanejados.

Têm garantido o atendimento no Hras as mulheres com menos de 30 semanas de gestação e risco de parto prematuro ou as que estão entre a 38ª e a 40ª semana de gestação e passam por complicações ou os bebês que apresentam problemas graves e necessitam dos serviços da UTI. Porém, o diretor do Hospital Regional da Asa Sul, Alberto Henrique Barbosa, garante que os casos mais graves serão atendidos. ¿Se entrar uma gestante praticamente dando a luz, vamos atendê-la, é claro. Mas quando há tempo hábil, encaminhamos para outra unidade¿, explica. Ontem, dois partos foram realizados na unidade.

Estrutura Nem a direção do HRAS nem a Secretaria de Saúde conseguem prever até quando durará a restrição no hospital. A secretária da pasta, Fabíola Aguiar, afirma que a medida foi tomada a tempo de prevenir a interdição completa. ¿Antes de se chegar ao ponto de ter que fechar completamente a UTI, nós decidimos nos ater à lotação oficial, para a qual temos profissionais e recursos para atender, até que os níveis de infecção sejam reduzidos¿, disse. Desde outubro, 11 recém-nascidos morreram na unidade neonatal em função de infecções.

Atualmente, há 30 bebês internados e seis estão no isolamento por infecção pelas bactérias Serratia e Stafilococos. Novas infecções pela bactéria klebsiella pneumoniae não foram detectadas. O diretor manifestou preocupação com a possibilidade de KPC chegar à unidade. ¿Estamos alertas e queremos evitar a todo custo a presença de a KPC dentro da UTI neonatal. Ela representaria um perigo ainda maior aos bebês que não têm defesas¿, pondera Alberto Barbosa. Segundo ele, o abastecimento de alguns materiais essenciais para a segurança na UTI ¿ como sondas, esparadrapos e álcool em gel ¿ já foi normalizado.

Três perguntas para

Fabíola Nunes Aguiar, secretária de Saúde do DF

A superlotação é a causa do surto? O Hras é o único hospital do DF e do Entorno que possui determinados recursos de maior concentração de tecnologia e profissionais especializados em neonatologia. Então, fica-se diante do seguinte dilema: você tem um bebê de baixo peso, com problema sério, que tem realmente a necessidade de UTI, mas a UTI o coloca em perigo. As mesmas medidas que representam um risco salvam a vida dele. Ou nos submetemos ao risco e salvamos a maioria das vidas ou então dizemos `não há vagas na UTI¿ e deixamos esse bebê sob o risco da doença que originou o pedido de internação na UTI.

Como controlar o problema? A minha preocupação é reforçar as medidas de controle de infecção hospitalar, não só para a KPC. Se é uma só (bactéria), há algum facilitador para que ela se espalhe. Mas quando são várias, provavelmente há uma quebra de protocolo ou sobrecarga de trabalho. Na semana passada, havia 38 bebês internados em uma UTI para 30. O procedimento com essas crianças tem que ser muito especial e cuidadoso, feito com calma para não aumentar o risco, que já é grande, de infecção.

A Secretaria de Saúde tem meios de garantir o atendimento a todos? A Constituição diz que a saúde é um direito e a gente tem que arranjar uma forma para atender todo mundo com o recurso disponível. O problema é que recebemos recursos para a população do DF, mas atendemos todo o Entorno. E não podemos dizer `não podemos atender¿. Não recebemos do Ministério da Saúde, no entanto, recursos para atender mais pacientes do que o estimado. Os serviços do DF, que não são os mais apropriados, são planejados para o Distrito Federal e, no entanto, atendemos todo o pessoas de fora.

Ordem da Justiça Naiobe Quelen

omo último recurso, quando não é possível encontrar vagas em UTIs neonatais da rede pública, os familiares dos pacientes recorrem à Defensoria Pública do Distrito Federal na tentativa de conseguir uma determinação judicial obrigando o atendimento em hospitais particulares. ¿Mas até com a liminar em mãos os pacientes não estão tendo sucesso¿, explica Patrícia Mie Higasi, defensora que estava de plantão na tarde de ontem. Entre a sexta-feira e o último domingo, a Defensoria Pública deu entrada em três ações para internação em UTIs neonatal particulares. Nenhum deles foi atendido até o fechamento desta edição por falta de vagas. Entre eles está o caso da auxiliar de serviços gerais Maria Luzinete de Oliveira, 33 anos, que está na 29ª semana de gestação. De acordo com laudo médico, em razão de um quadro de hipertensão grave que reduziu significativamente a quantidade de líquido amniótico, ela precisa ter a gravidez interrompida imediatamente e, assim que nascer, o bebê precisará ser encaminhado a uma UTI. A demora pode levar mãe e o filho à morte.

¿Ela está internada no Hospital Regional do Gama há uma semana aguardando transferência para um outro hospital que tenha UTI neonatal. A gravidez é de alto risco. Não sei mais a quem recorrer. Já procurei até a Justiça, mas não há vagas¿, desespera-se o marido de Maria, o militar Túlio Souza Bandeira, 24 anos.

Outro pedido que chegou à Defensoria Pública foi para internação de um bebê, nascido na última sexta-feira no Hospital Regional do Paranoá, em uma unidade neonatal com suporte cardiológico. ¿Esse caso é ainda mais difícil porque há poucos hospitais com UTIs neonatais capacitados a prestar atendimento cardiológico¿, acrescenta a defensora pública Patrícia Higasi. De acordo com levantamento realizado pela Defensoria, somente seis hospitais contam com essa estrutura: Hospital de Base, Incor, Santa Lúcia, HCB, Hospital do Coração e Hospital Brasília.