Título: Especialistas divergem sobre flexibilização das provas em ações penais
Autor: Prestes , Cristine
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2012, Política, p. A7

O julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) tornará mais rigoroso o combate à corrupção, mas ainda é necessário fortalecer as instituições para reduzir os desvios, avaliaram ontem políticos e especialistas no tema, em debate organizado em São Paulo pelo movimento Ministério Público Democrático (MPD). Os participantes divergiram, porém, sobre os efeitos da "flexibilização das provas" para julgar processos penais.

O advogado Belisário dos Santos Júnior, ex-secretário do governo tucano de Mário Covas, diz ter receio de que a tese de alguns ministros do STF, que defenderam flexibilizar princípios devido à gravidade do crime, se propague. "O senso comum fala em leis mais pesadas, em condenações mais duras, como forma de combater a corrupção. Mas, se ignorarmos princípios como presunção da inocência, isso acaba se voltando contra nós", afirmou.

Já o vice-presidente do MDP e organizador do evento, Roberto Livianu, considera a "mudança de paradigma" favorável. "As decisões, até agora, foram no sentido de valorar a somatória de indícios como prova condenatória, o que antes não era aceito no direito penal e dificultava a punição, porque é muito difícil alguém confessar o crime nessa área", pontuou. Para ele, a diferença de postura, que definirá nova jurisprudência a ser seguida por outros tribunais, ocorreu pela grande exposição do tribunal para a população.

A professora Maria Tereza Sadek, pós-doutora em ciência política pela USP, concorda com a tese de que o julgamento popularizou o debate sobre corrupção ao transmitir o sentimento de que não há impunidade para a elite que está no poder. "Peguei um táxi e até o motorista sabia o nome dos ministros do Supremo, algo antes inimaginável no Brasil", afirmou.

Na avaliação dela, a mudança de postura do STF, que aceitou como provas indícios colhidos no processo, sem necessidade de um documento assinado pelos réus para comprovar as fraudes, pode alterar o resultado dos próximos julgamentos e fortalecer o combate à corrupção. "Vai ter efeito tanto no interior do Judiciário quanto na classe política, que ficará mais receosa de cometer delitos", prevê.

Contrário a essa tese, o diretor da organização não governamental Transparência Brasil, Cláudio Abramo, avalia que as condenações têm pouco efeito corretivo. "Embora, obviamente, seja necessário punir o culpado, isso é muito difícil em casos de corrupção. É muito mais eficiente descobrir a causa e mudá-la para prevenir", argumentou.

Para o procurador-geral do Ministério Público de São Paulo, Márcio Rosa, haverá efeito positivo. "Julgamentos emblemáticos como esse influenciam a sociedade porque sinalizam que o tempo é de intolerância frente ao ilícito. Assim como absolvições injustificáveis causam terrível dano, um julgamento isento também educa."

Posicionamento idêntico teve o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que citou Montesquieu em seu discurso ao dizer que, para se mudar a sociedade é preciso, além das leis, o exemplo. "A impunidade acaba estimulando o malfeito, enquanto a punição tem sentido pedagógico", disse.

Por outro lado, o filósofo Mário Cortella, ex-secretário de Educação da ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (na época no PT), avalia que o julgamento do mensalão não enfrenta diretamente a corrupção, apenas parte dela. "Não podemos ter visão triunfalista. Há questões mais perversas na corrupção que o caixa dois de campanha", afirmou. Ele disse que tudo está maximizado. "É o maior julgamento de um caso, não o julgamento do maior caso."