Título: Mensalão impactará crimes do colarinho branco
Autor: Prestes , Cristine
Fonte: Valor Econômico, 05/09/2012, Política, p. A7

Quanto maior o poder ostentado pelo criminoso, maior a facilidade de esconder o ilícito". A frase é de Rosa Weber e foi dita durante o julgamento do primeiro item do processo do mensalão no Supremo Tribunal Federal (STF). Com ela, a ministra mais recente a compor a Corte justificou seu voto pela condenação do deputado federal João Paulo Cunha (PT-SP) por corrupção passiva, com o argumento de que essa facilidade justifica "a maior elasticidade na admissão da prova de acusação." As palavras de Rosa Weber foram repetidas ontem durante o Congresso de Combate e Prevenção à Lavagem de Dinheiro, promovido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) em São Paulo. Nele, a Ação Penal nº 470 surgiu diversas vezes entre os temas abordados pelos palestrantes e pelo público que os assistia - grande parte do setor financeiro.

Entre representantes de bancos, do governo, do Ministério Público e da Polícia, a crença é única: há uma mudança de paradigmas em curso no STF no que diz respeito à chamada persecução penal. "Muita coisa mudará depois da Ação Penal 470", diz o procurador Rodrigo de Grandis, do Ministério Público Federal em São Paulo. Segundo ele, o processo do mensalão, ao lado da nova Lei de Lavagem de Dinheiro - a Lei nº 12.683, deste ano -, são dois marcos na persecução criminal no Brasil.

De um lado, a nova Lei de Lavagem de Dinheiro aperfeiçoou o sistema de prevenção e combate ao crime ao incluir uma série de novos setores obrigados a comunicar operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). A legislação também deu fim ao chamado rol de crimes antecedentes, permitindo que qualquer tipo de crime possa ser passível de punição por lavagem de dinheiro.

De outro lado, o STF vem definindo uma nova jurisprudência para os crimes do colarinho branco. Entre as mudanças estão o entendimento sobre a necessidade de comprovação do chamado ato de ofício para sustentar condenações por corrupção passiva e sobre a possibilidade de uso de provas de CPIs e inquéritos policiais em condenações. Além disso, a Corte está em vias de formar seu entendimento sobre o crime de gestão fraudulenta de instituição financeira ao julgar executivos do Banco Rural no processo do mensalão. Segundo Rodrigo de Grandis, no caso do ato de ofício o STF superou uma jurisprudência de 40 anos ao julgar o mensalão. "As balizas do STF serão importantes para o combate a organizações criminosas", diz.

O delegado Disney Rossetti, coordenador geral do Centro Integrado de Inteligência Policial da Polícia Federal, afirmou que o STF finalmente está reconhecendo que o crime do colarinho branco não é o mesmo que um "assalto em um boteco de esquina". Segundo ele, o grande drama da persecução penal desse tipo de crime está no uso de métodos mais invasivos de investigação. "O problema mais sério é o probatório, cerne dos debates no caso do mensalão", diz. Rossetti afirmou ainda que a Corte costuma julgar apenas recursos em habeas corpus em matéria penal, o que faz com que tenha a função de analisar teses jurídicas, mas não as provas dos processos. "Agora ele está julgando fatos e teses jurídicas, e aí a coisa é diferente." Para Rodrigo de Grandis, os ministros do Supremo estão tendo a oportunidade de conhecer os problemas que o juiz de primeira instância, o procurador e o delegado enfrentam. "O Supremo está vendo como é um processo por lavagem de dinheiro."