Título: Minoria dos campeões de voto torna-se influente na Câmara
Autor: Jayme, Thiago Vitale
Fonte: Valor Econômico, 16/10/2006, Política, p. A10

Receber uma avalanche de votos não significa chegar à Câmara dos Deputados com status de político influente, assumir cargos importantes e participar decisões de repercussão nacional. Na eleição de 1º de outubro, apenas 32 dos 513 deputados eleitos atingiram, sozinhos, o coeficiente eleitoral. Isso significa que apenas esses parlamentares podem ser considerados "donos de seus cargos", pois não dependeram dos demais votos de suas legendas. Mas as chances desses campeões de votos tornarem-se políticos de peso dentro da Câmara são pequenas.

É o caso, por exemplo, do deputado eleito e costureiro Clodovil Hernandez (PTC-SP). Seus 493,9 mil votos não são garantia para levá-lo ao status de político influente na Casa. Em 2002, o caso mais famoso foi de Enéas Carneiro (Prona-SP), presenteado com 1,5 milhão de votos. Os quatro anos do parlamentar foram apagadíssimos. Problemas de saúde somados ao isolamento de seu partido o levaram a ser um deputado comum, do chamado baixo clero.

O cálculo para se descobrir o coeficiente eleitoral de um estado é simples: divide-se o número de votos válidos da eleição pelo número de cadeiras que essa unidade da Federação tem na Câmara. Só consegue eleger um deputado o partido que conseguir ter uma votação acima desse número. Se a sigla obtém cinco vezes o coeficiente, elege cinco parlamentares.

Em 2002, 34 deputados conseguiram, sozinhos, alcançar esses índices. O Valor fez um cruzamento dessa lista de campeões de votos com a relação divulgada anualmente pelo Departamento Intersindical de Assessoramento Parlamentar (Diap) dos "Cabeças do Congresso Nacional". Dos cem políticos dessa lista, apenas 12 figuravam no rol dos mais bem votados. Só 2,3% dos deputados conseguem ser, ao mesmo tempo, influentes e campeões de sufrágios. Para a comparação, foi levada em conta a publicação do Diap de 2004. Naquele ano, os deputados já haviam se adaptado à Câmara depois de um ano de parlamento e o Congresso ainda não vivia a crise do mensalão, que reescreveu a geografia política da Casa.

O historiador e professor Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB), atribui a diferença entre as duas listas ao perfil dos deputados. "Na relação do candidato com o eleitor, são importantes o poder econômico, o carisma e a popularidade. Na relação do deputado com outros deputados, são fundamentais a ascendência, a liderança, o poder de convencimento e a oratória. É difícil um político ter todas as características", explica o historiador. O diretor do Diap, Antônio Augusto de Queiroz, concorda com Octaciano e acrescenta outro fator. "O forte acesso à mídia também ajuda muito", diz.

Se Enéas é o exemplo de grande votação e pouca influência, Roberto Freire (PPS-PE), Delfim Netto (PMDB-SP) e Miro Teixeira (PDT-RJ) estão no lado oposto. São deputados de baixa votação e enorme ascendência sobre os colegas, os debates políticos e econômicos. Nessas eleições, Delfim não conseguiu a reeleição e Freire nem saiu candidato: acabou como suplente de Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE) no Senado. Só Miro volta à Câmara. Os três figuram há anos na lista dos cabeças do parlamento.

Roberto Magalhães (PSDB-PE) figurava entre os "cabeças" e atingiu o coeficiente em 2002. Dessa vez, foi reeleito sem tanta expressão de votos. "Analise a conta bancária e o dinheiro investido pelos campeões de votos. É precioso muito poder econômico", diz o tucano. Já Nelson Pellegrino (PT-BA), que atingiu o coeficiente em 2002 e 2006 e figura na lista dos mais influentes, crê num fenômeno inverso: o bom desempenho pode, em alguns casos, levar à boa votação. "Nem tanto nem tão pouco. Acho que nem a votação é fundamental para um bom desempenho e nem a ótima atuação é garantia de muitos votos. Talvez ajude mais nos parlamentares que têm um eleitorado de opinião e não têm tanta força econômica", diz o petista. "A Câmara tem mais ou menos 50 postos de poder, que são as lideranças, as comissões mais importantes e a Mesa. Ter muitos votos não garante habilidade para o deputado ocupar um desses cargos", afirma o Pellegrino, ex-líder da bancada do PT.

Um exemplo do bom desempenho que leva à votação expressiva é o de Fernando Gabeira (PV-RJ). Sempre discretamente votado e integrante de um partido pouco expressivo, o deputado foi o campeão no Rio de Janeiro em 1º de outubro, com 293 mil votos. "Depois daquela briga dele com o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, Gabeira se tornou um ícone, reforçado pela atuação na CPI das Sanguessugas", analisa o historiador Octaciano Nogueira.

O cruzamento das listas dos mais bem votados e dos influentes permite outra análise, segundo a visão de Queiroz, diretor do Diap. "Alguns campeões de votos recebem esse avalanche por serem os candidatos de algum candidato a governador. No Rio, por exemplo, o Pudim (PMDB), era o candidato do Anthony Garotinho (ex-governador fluminense)", afirma. Há também os casos de Ciro Gomes (PSB-PE), ex-governador e ex-candidato a presidente da República, e Paulo Maluf (PP-SP), ex-prefeito e ex-governador. Os dois chegam à Câmara com respaldo em seus passados políticos e têm grande chance de influenciar os colegas. Mas há casos de ex-governadores, como Miguel Arraes (PSB-PE), morto no ano passado, que têm forte votação mas não figuram entre os mais influentes.

A votação expressiva também não garante sucesso em eleições majoritárias na eleição seguinte. Eduardo Paes (PSDB-RJ) e Moroni Torgan (PFL-CE) foram muito bem votados e eram influentes. Fracassaram na tentativa de levar o governo do Rio ou uma vaga no Senado, respectivamente. Dos campeões de votos em 2002, apenas José Roberto Arruda (PFL-DF, eleito governador) e Eliseu Resende (PFL-MG, eleito senador) obtiveram sucesso em vôos mais altos. Denise Frossard (PPS-RJ) disputa o segundo turno no Rio.