Título: Qual é o impacto da riqueza em imóveis nos gastos do consumidor?
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Fonte: Valor Econômico, 16/10/2006, Internacional, p. A13

Ben Bernanke, presidente do Fed (o banco central dos EUA), fala em "correção substancial". Outros analistas empregam termos mais sombrios. Mas ninguém duvida de que o mercado habitacional americano passa por dificuldades. Após vários anos de crescimento de dois dígitos, a alta nos preços das moradias está bem mais lenta. Segundo alguns cálculos, os preços estão caindo. O debate, hoje, é sobre as conseqüências, especialmente para os consumidores. Será que os americanos reduzirão seus gastos gradualmente ou o farão repentinamente? E a redução será pequena ou grande? O que está em questão é se as pessoas tratarão sua riqueza imobiliária como poupança ou como cartão de débito.

Os otimistas, Bernanke entre eles, argumentam que o nexo entre riqueza em imóveis e gastos dos consumidores é muito semelhante à relação dos gastos com outros tipos de riqueza - ações, por exemplo. Quando o preço das moradias sobe, o mesmo acontece com a prosperidade das pessoas. Em conseqüência desse aumento da riqueza, os consumidores pouco a pouco elevam seus gastos. Quando o preço dos imóveis cai, ocorre o contrário. O consenso é que uma queda de US$ 100 na riqueza, com o passar do tempo, reduz os gastos de US$ 3 a US$ 5 ao ano. Isso sugere que a queda no preços das moradias produziria um efeito gradual relativamente pequeno sobre os gastos do consumidor.

Tolice, dizem os pessimistas. A queda no valor das moradias, argumentam, terá impacto maior e mais imediato do que sugere o "efeito riqueza", porque os americanos vêm bancando sua gastança tomando dinheiro emprestado e oferecendo em garantia o valor crescente de suas moradias. Segundo cálculos de Alan Greenspan, predecessor de Bernanke, e de James Kennedy, um economista do Fed, o montante de dinheiro que as pessoas "extraem" de suas moradias mediante ampliação do financiamento imobiliário, de empréstimos garantidos por suas residências e outras operações semelhantes cresceu explosivamente nos últimos anos. Um ano atrás, esse volume de dinheiro atingiu um pico superior a 10% da renda pessoal. Em discurso em 2005, Greenspan citou evidências de pesquisas segundo as quais as pessoas gastaram cerca de metade do dinheiro extraído de suas moradias. Isso sugere que um declínio na extração de riqueza habitacional poderá resultar numa queda grande e rápida nos gastos.

É muito importante o que está em jogo nesse debate, porque o comportamento dos consumidores determinará, em larga medida, se a economia americana cairá numa recessão ou apenas desacelerará. Infelizmente, não há uma resposta simples. A teoria econômica tende favorece os otimistas. No longo prazo, consumidores racionais deveriam ajustar seus gastos em resposta a variações em sua riqueza, e não à facilidade mediante a qual podem converter tal riqueza em dinheiro vivo.

Mas há diversas razões pelas quais o efeito riqueza em moradias pode manifestar-se de modo distinto do efeito riqueza em ações ou títulos. As pessoas têm de morar em algum lugar, e à medida que o preço dos imóveis sobe, o custos inerentes às moradias crescem, mesmo para proprietários-moradores. Isso significa que a alta no preços dos imóveis não cria ganhos agregados, como no caso de valorização de ações. O efeito moradia sobre os gastos com consumo deveria, assim, ser menor que o do crescimento de riqueza financeira. Por outro lado, mais gente possui casa do que tem ativos financeiros. Uma vez que pessoas mais pobres tendem a poupar menos que as mais ricas, a alta no preço das moradias deveria causar um aumento nos gastos superior ao resultante da valorização de ações.

Empiricamente, não é de hoje que os economistas têm dificuldades em precisar o efeito riqueza das moradias. Duas décadas atrás, julgava-se o efeito inexistente. Depois, estudos determinaram que mudanças no valor de imóveis afetavam efetivamente os gastos, embora menos que mudanças nos preço de ações. Mas pesquisas mais recentes sugerem que, ao menos nos EUA, a riqueza habitacional tem mais influência sobre o consumo que ativos financeiros - e o efeito está crescendo.

Um novo estudo de Christopher Carroll, Misuzu Otsuka e Jirka Slacalek estima que um aumento de US$ 100 na riqueza habitacional nos EUA acaba inflando os gastos em US$ 9. Semelhante alta de riqueza nas ações resultaria em apenas mais US$ 4 nos gastos. Isso é coerente com uma nova análise microeconômica sobre riqueza e hábitos de gastos da pessoas, elaborada por Raphael Bostic, Stuart Gabriel e Gary Painter, que estima que o efeito riqueza das moradias é cerca de três vezes maior que o dos ativos financeiros. Um estudo de Karl Case, John Quigley e Robert Shiller também verificou que o efeito riqueza das moradias é mais importante que o das ações.

Noutro estudo, Slacalek identificou que, em países industrializados, o efeito de uma variação na riqueza habitacional sobre os gastos cresceu nos últimos 15 anos. Mas, enquanto nos EUA e no Reino Unido esse efeito é hoje maior do que o dos ativos financeiros, na maioria de outro países o efeito riqueza de carteiras de ações e títulos continua maior. Um razão para essa diferença é que as economias anglo-saxônicas dispõem de instrumentos mais sofisticados por meio dos quais as pessoas podem usar suas moradias para obter dinheiro - por exemplo, refinanciando seus saldos devedores.

Tudo isso sugere que os otimistas em Wall Street podem estar subestimando o impacto do barateamento das moradias sobre os gastos. Analogamente, porém, os pessimistas podem estar exagerando em que medida o recente aumento na conversão da riqueza em dinheiro vivo alimentou uma gastança insustentável. Em primeiro lugar, parte da conversão do capital habitacional é uma conseqüência natural da rotatividade no mercado habitacional, à medida que pessoas mais velhas mudam-se para moradias menores, vendem suas residências para gente mais jovem e aplicam em outros investimentos a riqueza substancial por eles acumulada durante a alta nos preços das moradias. Se desconsiderado essa conversão "passiva", o ritmo no qual os americanos vêm convertendo suas moradias em dinheiro é mais baixo, perto de 6% da renda disponível. Pesquisas recentes sugerem ainda que os consumidores estão convertendo parcelas maiores de sua riqueza habitacional para quitar outros empréstimos, como dívidas contraídas usando cartões de crédito. Isso não surpreende, pois os financiamentos habitacionais nos EUA dão enormes vantagens tributárias, e pode indicar que os americanos estão administrando suas dívidas com prudência, e não gastando irresponsavelmente.

Os dois campos de opinião podem citar evidências justificando seus respectivos argumentos. Os otimistas dizem que até agora o desaquecimento no mercado habitacional produziu escasso impacto sobre os gastos do consumidor. Para os pessimistas, isso se deve ao fato de o ritmo de conversão de riqueza habitacional em gastos ainda não desacelerou. É provável que a verdade esteja em algum ponto intermediário.